Título: Viagens de Lula em 2005 somam 5 voltas ao planeta e raros resultados
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2006, Nacional, p. B4

Presidente batalhou em vão pelo Conselho de Segurança e depois pelo Mercosul; só teve sucesso na OMC

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dedicou 50 dos 365 dias de 2005 para percorrer 206.883 quilômetros mundo afora, uma distância equivalente a 5,16 voltas ao planeta pela linha do Equador, a bordo do Airbus da Presidência, o Aerolula. Empenhado na condução de sua política externa, Lula visitou 25 países e presidiu duas polêmicas reuniões de cúpula em Brasília. Apesar de tanta agitação e do acúmulo de milhas, os resultados práticos da diplomacia presidencial foram poucos. Ficou, de todo o esforço, o gosto amargo da derrota em duas campanhas por altos postos em instituições internacionais e da energia desperdiçada ao disputar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

A rigor, a política externa de Lula viveu dois momentos em 2005, como salientou o especialista Pedro da Motta Veiga, da EcoStrat Consultores. Até agosto, foi dedicada a obter, no processo de reforma do Conselho de Segurança, uma cadeira permanente para o Brasil. A reivindicação foi manifestada em viagens como a que fez para a Guiana e o Suriname, depois para cinco países da África - Camarões, Nigéria, Gana, Guiné-Bissau e Senegal -, para a resistente Coréia do Sul e o parceiro Japão, para a aliada França e durante a reunião com os países centro-americanos, na Guatemala. Voltou a falar do assunto na Cúpula da América do Sul e dos Países Árabes, que promoveu com grande alarde em Brasília, e nas visitas de chefes de Estado que recebeu - nada menos que 30, ao longo do ano.

De nada adiantou. O projeto de reforma do Conselho de Segurança proposto por Brasil, Japão, Alemanha e Índia naufragou, e os resultados comerciais de tantas visitas e encontros de cúpula continuam invisíveis.

SONHO DOURADO

"O Brasil fez trocas e concessões para obter o apoio a essa ambição (uma vaga no CS da ONU). Esse é um sonho dourado do Itamaraty desde 1945. Mas o governo investiu um pesado capital político que, no meu ponto de vista, foi equivocado", afirmou Motta Veiga.

Outro especialista, o embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), acrescenta: "O país que pretende ter expressão internacional deve contar com moeda forte, Forças Armadas bem aparelhadas e uma eficiente diplomacia. O Brasil só tem o terceiro ponto e ainda deve contribuições para a ONU."

A partir de agosto, diante do fracasso da campanha no CS da ONU, o presidente atirou na consolidação do Mercosul e nas relações com a Argentina. Em paralelo, o chanceler Celso Amorim corria o mundo em uma tarefa bem mais relevante para o interesse nacional - impedir que fracassasse também a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Deu certo. A atuação de Amorim e equipe em Hong Kong foi coberta de êxito e a Rodada Doha vai prosseguir em 2006.

Ao longo do ano, entretanto, o presidente manteve-se imerso em contradições. O Mercosul, alardeado como prioridade máxima, terminou o ano sem se efetivar como união aduaneira e com o livre comércio estendido ao setor automotivo.

Alheio a essas debilidades, o presidente apoiou o ingresso da Venezuela como o quinto membro pleno do bloco. Preferiu, como ressaltou o embaixador Botafogo, uma expansão horizontal do Mercosul, em vez de apostar na criação de uma instituição dinâmica para gerir o bloco. "O presidente afirmou muito mais sua imagem no Primeiro Mundo do que no plano sul-americano. Lula deixou de ser o líder incontestável da região", afirmou Botafogo.

TROPEÇOS

Lula e o Itamaraty igualmente estiveram envolvidos em trapalhadas. Uma DELAS foi a candidatura brasileira lançada de última hora para a direção-geral da OMC. Nas Américas, o Brasil só teve o voto do Panamá. Outra foi a corrida pela presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Nos dois casos, foi lamentável a exposição a que o governo submeteu profissionais da competência do embaixador Luís Felipe de Seixas Corrêa e do economista João Sayad.

Apesar dos dissabores, Lula não alterou os objetivos de política externa, manifestados desde a posse. Sua ambição de "mudar a geografia econômica e comercial do mundo", de recuperar a auto-estima do povo brasileiro no plano internacional e de falar "olho no olho" com os demais chefes de Estado continua a preencher seus discursos. Algo que, para Motta Veiga, parece ter a "dimensão do delírio". E -que, para Botafogo, não passa de "verborragia eleitoral¿.