Título: CPIs: balanço e desafios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2006, Notas e Informações, p. A3

O Conselho de Ética apresentou até agora quatro propostas de cassação de mandatos de deputados federais, três das quais, ao chegarem ao plenário da Casa, resultaram simbólicas, duas pela condenação e uma pela absolvição dos indiciados. As cassações de Roberto Jefferson e José Dirceu, principalmente a deste último, depois de insistentes chicanas tentadas junto ao Supremo Tribunal Federal, deram uma impressão de consistência ao processo de saneamento ético do Poder Legislativo, mas a incoerente absolvição do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), mesmo depois de ele ter confessado o recebimento irregular de R$ 450 mil, sinaliza em sentido contrário - ou seja, na direção da execrável 'pizza', com a qual tudo continuará como antes no quartel de Abrantes. Senão, vejamos: se Queiroz foi absolvido, tendo confessadamente recebido R$ 450 mil de forma irregular, como condenar João Paulo Cunha (PT-SP) por ter recebido R$ 50 mil, e o professor Luizinho por ter 'merecido' apenas R$ 20 mil do valerioduto? Há que se lembrar das limitações à atuação do Conselho de Ética, que nem sequer dispõe de poderes de convocação de testemunhas. As recentes observações da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), propondo a quebra de sigilo de deputados suspeitos de recebimento de 'mensalão' e de seus respectivos assessores, bem como o ponto de vista, a respeito da questão, externado pelo relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), dão os parâmetros da grande complicação operacional dessas investigações no âmbito legislativo. Disse a senadora: 'O Conselho de Ética não tem poder para quebrar sigilos. Mas o povo precisa saber quem são todos os parlamentares e não parlamentares que receberam dinheiro do mensalão.

Este era o trabalho da CPI do Mensalão, que foi paralisada. A CPI dos Correios tem que assumir essa prerrogativa.' Mas o deputado Serraglio, embora admitindo que a quebra de sigilo dos suspeitos 'já deveria ter acontecido', receia agora que possa mais atrapalhar do que ajudar o Conselho de Ética. Disse ele: 'Qualquer novidade que surja da quebra de sigilo pode dar um revertério nos processos do Conselho. O deputado investigado poderia ir à Justiça, dizer que foi prejudicado. Tenho medo de dar chance para que isso aconteça.' Mas as CPIs dos Correios e a dos Bingos, as únicas que ainda podem aprofundar as investigações em torno do famigerado mensalão - já que a do Mensalão, como se previa, resultou em retumbante fracasso -, não podem permitir-se usar todo o tempo da prorrogação de seus trabalhos para chegar a resultados substanciais, e muito menos perder-se em intermináveis oitivas de depoentes, com 10 e até 11 horas de duração, o que serve mais à exposição de seus integrantes 'interrogadores' na televisão (com discutíveis resultados eleitorais) do que às investigações propriamente ditas. Aqui já dissemos, em outro editorial, que o relatório parcial da CPI dos Correios - em cujas 411 páginas há conteúdo de peso - só foi produzido a contento quando os membros mais empenhados daquela CPI concluíram que o mais importante era o árido compulsar de documentos e a cansativa checagem de informações, em lugar das exibições 'políticas' das tomadas de depoimento diante da televisão.

Então, que prevaleça o trabalho documental para a aceleração de resultados das CPIs, antes que a população brasileira perca seu interesse por elas - pelo excesso de repetições e ausência de resultados.

Nem é preciso lembrar que a imagem do Legislativo tem sofrido imenso desgaste nos últimos tempos. Primeiro, pela existência do próprio mensalão - em que pese os ministros Dilma Rousseff e Jacques Wagner, escalados para o difícil papel, negarem sistematicamente essa existência, repetindo como um mantra a frase 'não existe mensalão, não há provas', pretendendo com isso ocupar espaço na mídia em 'resposta' a quaisquer novas informações sobre a megacorrupção instituída no País.

Segundo, pela recordista inoperância legislativa - há muitos anos que o Congresso não tinha produção legislativa tão exígua. Terceiro, pela convocação extraordinária - quando os legisladores passam a receber mais dois vencimentos extras, chegando ao 17º salário anual (com as honrosas exceções dos que os que os estão devolvendo), para deixar os recintos parlamentares às moscas, como mostram todos os dias os telejornais. A esta altura, terá a sociedade brasileira condições de digerir uma grande pizza?