Título: A China move outro peão
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

O governo chinês anunciou quinta-feira que vai diversificar suas reservas. Qualquer coisa que isso signifique é fato de grande importância para a economia mundial, com conseqüências graves para o Brasil. Este é o último lance dado pela China no tabuleiro de xadrez. A última posição conhecida das reservas chinesas é de setembro: US$ 769 bilhões. Como têm crescido em torno de US$ 20 bilhões por mês, é provável que já estejam em US$ 830 bilhões, volume mais ou menos equivalente ao tamanho do PIB brasileiro. Nesse ritmo, ao longo de 2006 alcançarão o patamar de US$ 1 trilhão.

Muito se tem falado sobre o poder de chantagem que esse montão de reservas pode exercer sobre o mercado mundial, especialmente sobre a economia dos Estados Unidos. Como a maior parte dessas reservas está montada em títulos do tesouro americano, se a China quisesse afundar as cotações do dólar, bastaria que se pusesse a vender parte substancial delas.

Não está nem um pouco claro como, na prática, será feita essa diversificação. Provavelmente a China está avisando que, daqui para frente, deixará de compor suas novas reservas (e não as já existentes) preponderantemente em dólares e que tratará de assumir posições crescentes em títulos denominados em outras moedas, especialmente euros e ienes japoneses.

Também não está descartada a hipótese de que os chineses procurarão empatar recursos em commodities, especialmente metais e petróleo, para garantir suprimentos de maneira a prevenir-se contra eventuais períodos de escassez. Potência econômica que se preza cuida das reservas estratégicas.

Embora sejam prematuras quaisquer conclusões, parece claro que aumentou o risco de novas quedas da cotação do dólar frente às outras moedas fortes (especialmente o euro e o iene). Como a cada superávit comercial da China corresponde um déficit comercial dos Estados Unidos, boa parte dos dólares que os americanos tiverem gastado para pagar suas importações da China não mais será incorporada às reservas chinesas, como acontece agora. Ficará zanzando pelos mercados à procura de interessados.

Com a relativa valorização do euro e do iene, o poder de fogo das exportações européias e japonesas tenderá a diminuir, situação que poderá travar em alguma proporção a evolução da produção nesses países. Em compensação, um dólar desvalorizado ajudará os Estados Unidos a conter seu rombo nas contas externas, hoje em torno dos US$ 750 bilhões a cada período de 12 meses.

Em meados do ano passado, a grande demanda por títulos do tesouro americano pela China vinha provocando uma baixa dos juros de longo prazo nos Estados Unidos, efeito que, por sua vez, vinha tirando poder de fogo da política de juros do Federal Reserve, o banco central americano. Juros de longo prazo mais baixos, por sua vez, vinham atiçando o boom da construção civil nos Estados Unidos. E foi nesse sentido que se passou a dizer que a política chinesa de formação de reservas vinha esquentando o mercado imobiliário americano.

Se, em conseqüência da nova política de diversificação de reservas pela China, for reduzida a procura de títulos do tesouro americano, os juros de longo prazo tenderão a reagir.

E, se a decisão do governo de Beijing for estocar matérias-primas, será inevitável nova alta dos preços das commodities. Nesse caso, as exportações brasileiras receberão mais gás.

É também provável que a decisão do governo chinês será acompanhada por outros países da Ásia. Dependendo da dose desse mimetismo, as conseqüências acima apontadas poderão ser reforçadas.