Título: O clima no Brasil e os alertas da ciência
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

O clima no Brasil e os alertas da ciência Washington Novaes As últimas semanas estiveram repletas de notícias sobre mudanças climáticas ou nos ciclos meteorológicos. Inclusive no Brasil, pois o oeste de Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul enfrentaram forte estiagem em vários municípios, em plena temporada de chuvas, pelo segundo ano seguido, com fortes perdas em lavouras de soja, feijão e milho, além da produção de leite, e com dificuldades no próprio abastecimento das populações urbanas. No mês de novembro, que tem média histórica de 167,5 milímetros de chuva, caíram ali apenas 72 milímetros; e em dezembro, com média histórica de 172,9 milímetros, até o dia 22 haviam caído apenas 26,9 milímetros. Em São Paulo e em outros lugares, nos primeiro dias de janeiro as chuvas estiveram muito acima das médias históricas. Mas não houve indício de que o tema assumisse no País a prioridade que deveria ter - e que está tendo em muitas partes. A Comissão Européia, por exemplo, aprovou no final de dezembro legislação que obrigará os veículos dos países membros a uma redução de até 80% nas suas emissões de gases e partículas, o que permitirá uma queda de 10% nas emissões totais. Já a Suíça criou uma taxa sobre todas as passagens aéreas em seu território (as emissões de aeronaves são as que mais crescem). Londres e outras cidades européia já testam ônibus a hidrogênio, para reduzir emissões de gases poluentes. Grã-Bretanha e China fizeram acordo para desenvolver tecnologia de captura de gases em fontes poluidoras (usinas de energia, indústrias) e sua deposição em minas e campos de petróleo esgotados ou no fundo do mar.

Vieram também notícias inquietantes, como a de que os Estados Unidos aumentaram suas emissões de gases em 2% em 2005, principalmente por causa da queima de combustíveis fósseis (80% das emissões). Com isso, suas emissões já cresceram 16% sobre os níveis de 1990, a que se refere a Convenção do Clima, e devem subir mais 9% até 2012. Têm crescido à média de 1,1% ao ano e representam 25% do total emitido no mundo.

Embora afirme que ainda não há certeza científica absoluta sobre a relação entre o aquecimento do planeta e os chamados desastres naturais e meteorológicos, a Organização Meteorológica Mundial divulgou que esses desastres responderam pela morte de 350 mil pessoas e prejuízos de US$ 200 bilhões no ano que se encerrou. 2005 foi o ano de maior número de tempestades tropicais (26, quebrando o recorde de 23 em 1933), de furacões (14, ante 12 em 1969), o segundo ano mais quente já registrado e um dos quatro anos mais quentes desde 1861, com 0,48 grau Celsius acima da média de 1991 a 2000 (1998 foi o mais quente de todos, com 0,55 grau acima daquela média).

Tudo isso sugere a necessidade de mudarmos, no Brasil, nossa postura nessa área. Principalmente tomando conhecimento das conclusões, aqui mencionadas na semana passada, de um estudo do Hadley Centre for Climate Prediction, da Grã-Bretanha, sobre as conseqüências das mudanças no regime de chuvas e no fluxo dos rios. O Hadley é uma das mais respeitadas instituições de pesquisa na área, com 150 cientistas que dispõem de um supercomputador capaz de operar 1 trilhão de operações por segundo.

Diz esse estudo já haver evidência de que a atividade humana está mudando o fluxo dos rios, seja por causa do aumento da temperatura no planeta, seja em conseqüência de alterações na atividade das plantas em função do aumento de dióxido de carbono na atmosfera. E essas mudanças podem ter conseqüências na produção de alimentos, na freqüência de inundações e em danos para os ecossistemas. Como se mencionou aqui, Hadley prevê que ao longo deste século a descarga fluvial no semi-árido brasileiro aumentará entre 25% e 150%. Na Amazônia e no Pantanal mato-grossense haverá redução entre 25% e 50%.

Segundo essas pesquisas, a África já está sofrendo secas mais intensas e é provável que as chuvas se reduzam ainda mais em parte do continente. Portugal enfrentou no ano passado um déficit de chuvas equivalente a 77% da média histórica. Também a Espanha sofreu com a redução. Em seis rios da região ártica, cresceu o fluxo de água.

Dependendo das emissões de gases do efeito estufa, a temperatura ao longo deste século subirá até 3,4 graus Celsius. No Brasil, poderá subir 4 graus na Amazônia, de 2 a 3 no Nordeste e 3 graus no Sul. E, dependendo da temperatura e de outros fatores, variará o fluxo fluvial. Ele vai reduzir-se em parte da Europa, da América do Norte, do Meio-Oeste norte-americano e no norte da América do Sul. Vai aumentar na África Ocidental, no norte da China, na região boreal. No conjunto do planeta, o fluxo dos rios deve subir cerca de 2% até 2020. Se for considerado também o efeito da concentração de carbono na atmosfera sobre as plantas, o aumento pode chegar a 7% - agravando muito a possibilidade de inundações e deslizamentos de terra em várias partes.

Se é assim, o Brasil precisa repensar seus caminhos. Não pode continuar contribuindo (principalmente com desmatamentos, queimadas e mudanças no uso da terra, que representam uns 75% das nossas emissões) com cerca de 4% do total mundial de emissões de gases, que nos colocam entre os principais emissores. Precisa de mudanças radicais nas políticas amazônicas. Não pode continuar indiferente ao que acontece no cerrado e no Pantanal. Precisa, além disso - como já se observou tantas vezes neste espaço -, construir com urgência sistemas científicos mais avançados na área do clima e sistemas de defesa capazes de atender às emergências (já estamos em 11º lugar entre os países vítimas de desastres naturais).

Alertam não nos faltam. Faltam decisões.