Título: Peres volta à cena em grande estilo
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2006, Internacional, p. A12

ISRAEL EM SUSPENSE: O DRAMA DE SHARON Olmert tenta manter apoio de ex-trabalhista que agora é n.º 1 nas pesquisas, apesar de não ter sorte em eleição

Uma das primeiras coisas que o primeiro-ministro em exercício Ehud Olmert fez ontem foi chamar o veterano parlamentar Shimon Peres para uma conversa particular em seu escritório. Os dois conversaram sobre o futuro do Kadima, o partido político criado por Ariel Sharon há um mês e meio e que, apesar da internação do primeiro-ministro, continua a liderar as pesquisas eleitorais. Diante dos boatos de que Peres pensa em voltar ao trabalhismo, Olmert prometeu-lhe mundos e fundos: uma posição de destaque no Kadima e a cobiçada pasta das Relações Exteriores caso a legenda vença as eleições de 28 de março.

Mas por que Olmert fez tantas promessas a Peres e não se preocupou em agradar outras estrelas do Kadima, como a ex-ministra da Justiça Tzipi Livni e o ministro da Defesa, Shaul Mofaz? A resposta é simples: Peres encabeça todas as pesquisas de intenção de voto realizadas após a internação de Sharon. Ele se tornou o político mais cobiçado desde que Sharon deixou a cena pública. De acordo com uma sondagem publicada ontem pelo maior jornal israelense, o Yediot Aharonot, Peres é o preferido para herdar a liderança do Kadima, que, no momento, é o partido mais popular do país. Ele recebeu 23% dos votos contra 21% para Olmert, 14% para Livni e 8% para Mofaz.

Como a margem de erro da pesquisa é de 4,4 pontos, pode parecer que Peres e Olmert estejam empatados na luta pela presidência do Kadima. Mas Peres também vence Olmert nos possíveis cenários para a formação da Knesset (o Parlamento israelense). De acordo com as pesquisas tanto do Aharonot quanto de outro jornal importante, o Haaretz, se Shimon Peres concorrer a primeiro-ministro pelo Kadima, a legenda sairá vencedora com nada menos do que 42 das 120 cadeiras da Knesset. No caso de Olmert liderar o Kadima, o partido ganha menos cadeiras, entre 39 e 40.

Nada mal para o mitológico Peres, de 82 anos, ex-chanceler, ex-primeiro-ministro e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1994. Ele parecia ter encerrado sua carreira parlamentar e cogitava se aposentar. Há menos de um mês, Peres anunciou sua saída o Partido Trabalhista, do qual foi líder e símbolo por mais de quatro décadas. Em entrevista coletiva considerada histórica, Peres informou que estava deixando a vida parlamentar e iria apoiar o Kadima, de seu ex-inimigo político Sharon.

A saída de Peres do Partido Trabalhista foi considerada humilhante por muitos. Em novembro, ele perdeu por um triz as primárias do partido para o ex-líder sindical Amir Peretz, um jovem político pouco conhecido internacionalmente e voltado muito mais para assuntos socioeconômicos do que para negociações de paz.

Igualmente humilhante foi o anúncio de apoio a Sharon. Foram semanas de negociações entre os dois políticos, mas, apesar do apreço pessoal, o primeiro-ministro não queria ter Peres nas fileiras do Kadima. Motivo: o ex-líder trabalhista seria "esquerdista demais" para o novo partido de centro que Sharon estava formando.

Fora isso, Peres tem fama de ser um político "pé-frio": apesar de sempre liderar pesquisas, não raro ele perde eleições.

Nas duas vezes em que serviu como primeiro-ministro, ele não foi eleito: apenas substituiu Yitzhak Rabin (em 1977, quando Rabin se demitiu após um escândalo financeiro, e em 1995, depois do assassinato do colega). Sempre que concorreu, perdeu. Mesmo quando a eleição era para o inofensivo cargo de presidente israelense.