Título: Brasil, Alemanha e Índia retomam reforma da ONU
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2006, Nacional, p. A8

Japão deixa G-4, mas Itamaraty avalia ter votos para mudar Conselho de Segurança

Abandonado pelo Japão, o trio formado por Brasil, Alemanha e Índia apresentou uma proposta comum de reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A formalização da propostas foi feita na quinta-feira, três dias depois de o governo brasileiro ter autorizado a quitação da dívida de US$ 135 milhões do Brasil com a ONU. O projeto de resolução prevê a criação de seis novos assentos permanentes, com poder de veto das decisões apenas depois de 15 anos, e mais quatro cadeiras não-permanentes.

A iniciativa seguiu a estratégia de manter o tema na agenda da Assembléia-Geral da ONU e de impedir que o fracasso das discussões no ano passado enterre de vez o objetivo de reformar o Conselho. Ou seja, de não dar por vencida a idéia de atualizar a composição da mais importante instância de poder mundial, que ainda reflete o cenário do final da 2ª Guerra Mundial. O Conselho, ainda hoje, é composto por apenas cinco permanentes - Estados Unidos, China, França, Inglaterra e Rússia - e dez não-permanentes.

A ausência do Japão causou estranheza, por indicar a possibilidade de uma aliança de Tóquio com Washington em favor de uma proposta mais modesta de reforma, que envolveria o aumento de "cerca de dois membros permanentes". A rigor, pode ser lida como o esfacelamento do G-4, o grupo criado no ano passado por Alemanha, Brasil, Índia e Japão para promover o apoio mútuo para acesso ao Conselho.

APOIO POR FORA

O governo japonês, no entanto, tomou seus cuidados. Na sessão da Assembléia-Geral de anteontem, seus representantes enfatizaram que não se tratava de uma ruptura do G-4 e que a cooperação de Tóquio com o Brasil, a Alemanha e a Índia vai continuar. O objetivo de expandir o número de membros permanentes e não-permanentes do Conselho, afirmaram eles, será mantido por Tóquio.

A delegação da França entendeu essa atitude como uma divisão de responsabilidades - enquanto os três sócios do G-4 formalizam a proposta, o Japão negociaria com a China e os Estados Unidos o apoio a esse projeto de reforma. A tese francesa foi respaldada por especialistas no Itamaraty.

Primeiro, porque o Japão se tornou, no ano passado, o impedimento mais forte à aprovação da proposta do G-4, que já contava com a maioria dos votos dos 148 membros da ONU - mais de 100, excluindo a África. De um lado, a China opôs-se ruidosamente ao ingresso do Japão entre os membros permanentes e assinalou que, com sua exclusão, poderia apoiar o projeto de reforma do G-4. De outro, os EUA deram respaldo público ao ingresso no Conselho a só um país - Japão -, mas resistiram a subscrever o texto do grupo.

Diplomatas brasileiros assinalaram que o distanciamento do Japão no G-4 poderia abrandar esse antagonismo entre os dois mais pesados membros do Conselho - os Estados Unidos e a China - e facilitar a aprovação da proposta do G-4. Indiretamente, essa a estratégica de Tóquio traria vantagens também ao Japão. Uma vez que o projeto de reforma passe na Assembléia-Geral, com mais de dois terços dos votos, caberá a cada país-candidato angariar os mais de 128 votos exigidos para ingressar no restrito clube dos membros permanentes.

DECEPÇÃO

Em setembro passado, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, declarara-se "decepcionado com a China". Completou que Pequim poderia ter permitido o início do processo da reforma e, depois, bloqueado o ingresso do Japão.

A cúpula do Itamaraty, porém, mantém sua certeza de que a reforma será aprovada e, seja qual for o número de novos membros permanentes, o Brasil estará entre eles. Nas contas do ministério, o País já conseguiu os dois terços dos votos necessários para sua aprovação pela Assembléia-Geral. Anteontem, enquanto a proposta do G-4 era tabulada na ONU, o chanceler Celso Amorim repetia sua convicção de que a "reforma virá", seja neste ano ou no futuro próximo. "Não pode continuar a haver uma ONU com a estrutura de 1945. Isso é de reconhecimento geral. A luta continua. Não quero ser pretensioso, mas posso dizer que nossa vitória é certa", afirmou.

Além da proposta do G-4, estão em pauta outras duas. A da União Africana, que propõe a criação de 26 novos membros - seis permanentes. E o do chamado Coffee Club, formado por nações como Argentina, Colômbia e México (contra o Brasil), a Coréia do Sul (contra o Japão), o Paquistão (contra a Índia) e a Argélia (contra a Nigéria).