Título: Para especialistas, governo está jogando dinheiro fora
Autor: Leonardo Goy
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2006, Nacional, p. A6

R$ 440 milhões dariam para recuperar 10 mil km por 7 anos, em vez de tapa-buraco em 26,5 mil km por 1 ano

O plano de recuperação das estradas anunciado pelo presidente Lula foi recebido com desconfiança e indignação por especialistas em transportes e engenharia. Para o diretor do Centro de Estudos de Logística do Instituto Coppead, Paulo Felipe Fleury, "trata-se de uma medida precária de reação ao estado calamitoso das estradas federais". Ele explicou que o ideal seria o governo rever a condição das estradas e realizar "um trabalho correto, estudado". Fleury estimou que com os R$ 440 milhões anunciados para a operação de recuperação de 26,5 mil quilômetros "daria para recuperar bem 10 mil quilômetros de estradas", dando a elas uma vida útil de cerca de 7 anos, tempo que ainda poderia ser ampliado com uma manutenção constante. "É como se um dentista fizesse uma obturação para cobrir uma cárie. A cárie continua e logo solta a obturação. Essa operação vai tapar os buracos por no máximo um ano", comparou ele.

"Considerando a situação ruim da malha rodoviária, antes fazer isso do que nada", ironizou a coordenadora do Laboratório de Pavimentação e chefe do Departamento de Transportes da USP, Liedi Bernucci. Para ela, essa situação de emergência evidencia a falta de planejamento do governo em relação aos transportes, até porque, afirmou, havia orçamento previsto, que não foi usado.

CUSTO BRASIL

"Infra-estrutura também está relacionada ao custo Brasil. Uma boa estrada diminui o consumo de pneu e gasolina, diminui o tempo de viagem, a troca de peças do automóvel, uma série de fatores que aumentam o custo do transporte no País", argumentou Liedi. Ela estimou que, com a situação atual de precariedade das estradas, o custo com transporte aumenta de 10% a 50%. "Quem arca com os custos é a população. A competitividade diminui e acabamos torcendo pelo dólar", afirmou.

"Há quatro anos não se faz manutenção e de repente se faz uma operação tapa-buraco, como se isso fosse o correto. O correto é fazer manutenção", observou o coordenador da Divisão de Transportes Metropolitanos do Instituto de Engenharia, Ivan Whately. Para ele, a falta de política de transportes do governo "desmoraliza tecnicamente os engenheiros, que em todo curso ouvem sobre planejamento e estratégias".

Os três consideram as estradas consorciadas como o modelo ideal de conservação. "A manutenção é constante, e além de deixar as estradas em ótima condição, leva os custos a médio e longo prazo a caírem drasticamente", disse Fleury. "Com planejamento estratégico há conservação, isso aumenta a vida útil do pavimento. Não se chega a essa situação com tantos problemas, onde o custo fica elevadíssimo", reforçou Liedi.

Ela comentou que hoje o governo destina de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões anuais para conservar as estradas federais. "Precisaria de R$ 6 bilhões a R$ 10 bilhões por ano para manter a malha atual e ampliar um pouco. Esse plano do governo é para os 26 mil quilômetros que têm maior reclamação, com muito acidentes", alertou. "Parece um montante alto, mas pela malha existente isso não é nada."

PONTOS

Whately atacou a caracterização de emergência - que dispensa a licitação: "Queda de ponte é que é obra emergencial." A realização das obras em plena época de chuvas é outro ponto que Fleury e Liedi destacaram.

Eles explicaram que, além de diminuir a qualidade dos reparos, esse fato acaba aumentando o custo das obras. "E é uma mão-de-obra temporária e despreparada", comentou Liedi. "O planejamento a longo prazo poderia criar empregos fixos e justificaria o treinamento de técnicos especializados."