Título: Qual dos dois?
Autor: Mauro Chaves
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

Por sobre ser um prêmio à virtude privada, a escolha do candidato a governante deve ser uma satisfação à necessidade pública. O que é melhor para a coletividade, em determinado momento e circunstância, supera ambições, interesses, coerências ou idiossincrasias individuais. Importa muito menos a palavra pessoal dada num momento do que a urgência social surgida em outro. A escolha da liderança público-política tem muito mais que ver com a dimensão da experiência vivida do que com a amplitude da potencialidade esperada. Se há dois ótimos pré-candidatos, ambos com notório preparo administrativo, em contraste acachapante com aquele contra o qual um deles deverá concorrer, resta saber qual dos dois terá melhores condições de vencer e, depois, governar. Isso significa observar qual deles terá uma habilidade mais testada de articulação, com lideranças políticas de outros partidos e de outras regiões do País; qual terá maior chance de consolidar uma aglutinação de forças oposicionistas suficientemente poderosa não apenas para ganhar as eleições, mas, ganhando, enfrentar a nova oposição, radicalizada, dos que vierem a perder a máquina do poder, que hoje detêm com insopitável apego.

Na avaliação de cada um dos dois pré-candidatos - o que não causa desconforto algum, visto o alto padrão de qualidade política, administrativa e ética de ambos - também é preciso saber qual deles tem demonstrado melhores condições de formar equipes, levando em conta, de maneira mais clara, a conjunção de qualidades técnicas e políticas de seus auxiliares. E, sobretudo, qual tem revelado maior capacidade de cobrança, em relação a essas equipes. Seria importante considerar, por outro lado, qual deles experimentou, por períodos mais longos e em meio a diversidade maior de governos, o trato em profundidade da coisa pública, o conhecimento mais detalhado dos meandros da administração - em diferentes setores -, encontrando fórmulas criativas de rompimento de burocracias quase sempre paquidérmicas.

Aqui não se trata apenas da capacidade de gerenciamento, de condução da máquina pública - que ambos, certamente, possuem -, mas da destreza mais ampla (intelectual, técnica e política) para a governança, para a mobilização das forças mais representativas da sociedade civil - além dos partidos e da classe política em geral -, para encetar mudanças profundas, tendo em vista recuperar o País de uma perda brutal de valores. Qual dos dois inspira maior canalização de energias neste caminho?

Outro ponto importante é saber qual dos dois pré-candidatos acumulou experiência mais profunda e abrangente na recuperação de máquinas públicas destroçadas - posto que essa é tarefa incomensuravelmente mais difícil, penosa, do que a de suceder a um bom governo. É de se saber qual deles adquiriu maior vivência no enfrentamento de adversidades, pois é por essa trilha que se costumam forjar, espontaneamente, as melhores lideranças. E talvez o traço diferencial que se deve buscar com maior empenho, nas idéias dos pré-candidatos à Presidência da República, seja o que contenha a mais consistente visão macroeconômica, capaz de dar solidez - pela fundamentação teórica e prática que tenha adquirido, ao longo de sua formação intelectual e experiência concreta, na vida pública - a seu projeto de desenvolvimento, tendo em vista romper o medíocre ciclo de subcrescimento que nos tem travado há mais de 25 anos.

Sem dúvida, o pré-candidato a presidente da República, a ser escolhido, deverá ser o que já demonstrou maior tenacidade na resistência a poderosos grupos de pressão, a lobbies de toda ordem - quando estes se opuseram ao interesse público maior -, com isso estabelecendo padrões de civilidade republicana, de repercussão internacional. O melhor dos pré-candidatos, certamente, será o que é receado por alguns empresários, menos preocupados em dinamizar a produção privada do que em obter prebendas públicas. Poderá ser ele "menos confiável" para alguns, por ser dono de idéias próprias e já ter demonstrado não ser maleável a suspeitas influências, que o levem a abdicar de convicções em razão de proteções, em favor de poucos e prejuízo de quase todos.

Provavelmente a campanha eleitoral deste ano será uma das mais acirradas e agressivas das que temos visto nos últimos anos. Tanto no âmbito da disputa federal quanto no das lutas políticas regionais, forças se aglutinarão e dissiparão em ritmo intenso, frenético, como se atingissem uma encruzilhada histórica que as levasse ao desafio do "tudo ou nada". Certamente as lideranças políticas regionais, que participam da ala atualmente oposicionista, preferirão aquele pré-candidato que, até a convenção partidária, demonstrar, pelas pesquisas de intenção de voto, condições de ser mais bem votado no primeiro turno. E isto porque no primeiro turno se busca o apoio de quem puxa votos, enquanto no segundo os candidatos regionais não precisam mais de apoio para se eleger - porque já ganharam ou perderam a eleição. Se há uma grande lição tirada pela sociedade brasileira, por tudo o que tem passado nos últimos tempos, é a de que o governante do País precisa ter a maior "experiência em complexidade". Qual dos dois pré-candidatos tem demonstrado, ao longo de sua trajetória pública, um perfil mais adequado a essa exigência? E o gosto em entender os problemas mais complicados e enfrentá-los com coragem, sem receio de arrostar impopularidades, seria um traço mais característico de qual deles?

Enfim, a decisão entre dois bons não é difícil. É só escolher o melhor.