Título: Gás, problema para Lula e Morales
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2006, Economia & Negócios, p. B7

Depois de rodar o mundo em visitas a oito países e de lançar o eixo com Cuba e Venezuela, o presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, vai tratar hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de uma questão nevrálgica em seu país e para o futuro de seu governo: a exploração e o comércio do gás boliviano. Morales encontrará em Lula um ¿companheiro¿ que tenderá a apoiá-lo integralmente, do ponto de vista político. Do ponto de vista econômico, porém, a história é outra.

O ex-líder cocaleiro encontrará um Lula calçado em iniciativas para diminuir a dependência do mercado nacional em relação ao gás da Bolívia, cujo abastecimento é incerto por causa da ameaça de estatização dos investimentos no setor petrolífero naquele país.

Morales chega ao País na semana em que a Petrobrás anunciou investimentos de US$ 18 bilhões para produção de gás na bacia de Santos. Em 2010, a produção de gás nesses campos vai se igualar ao volume atual fornecido pela Bolívia, de 26 milhões de metros cúbicos ao dia.

O encontro também se dará a apenas seis dias da nova reunião dos presidentes do Brasil, Argentina e Venezuela para tratar da construção do gasoduto que sairá de Puerto Ordaz e passará pelo Brasil e pelos quatro países do Cone Sul.

Essa jazida venezuelana é três vezes maior que a da Bolívia e, embora o governo brasileiro diplomaticamente diga que não será uma alternativa ao gás boliviano, certamente será uma fonte adicional desse recurso e diminuirá a dependência do Brasil.

Em Brasília, há consciência de que a nacionalização dos investimentos na Bolívia, determinada pela Lei de Hidrocarbonetos, é um passo sem volta.

Para driblar uma possível estatização da Petrobrás naquele país, a companhia propõe uma associação com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB), a estatal que será ressuscitada. Uma eventual recusa dessa proposta poderá acarretar uma crise no setor, pela ausência de recursos humanos preparados para tocar esses negócios.

A Petrobrás lidera os investimentos no setor de gás da Bolívia, com US$ 1,5 bilhão já desembolsado, e é responsável por cerca de 20% da arrecadação total de impostos em todos os níveis de governo do país. Garante uma receita de cerca de US$ 400 milhões anuais e o registro de US$ 700 milhões por ano em exportações na balança comercial da Bolívia.

O Brasil não quer perder esses investimentos. Mas a Bolívia de Morales também não quer perder tal arrecadação, como ficou claro nos seus discursos de campanha.

GOLPE

Em princípio, Lula terá a missão de deixar claro a Morales que o Brasil será ¿generoso¿ com a Bolívia em questões comerciais, e espera ver o novo governo apresentar o pedido de ingresso do país ao Mercosul, como membro pleno.

Essas posições foram expressas anteontem pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao lado de seu colega argentino, Jorge Taiana. A posse de Morales foi qualificada pelo chanceler brasileiro como ¿uma chance única¿ de uma boa parcela da população boliviana, de origem indígena, integrar-se plenamente à política local.

Mas igualmente caberá a Lula dizer a Morales que o Brasil não embarcará no recém-lançado eixo Venezuela-Cuba-Bolívia e não lhe interessa ¿abandonar¿ nem ¿contaminar¿ as relações com os Estados Unidos.

O tema fez parte das conversas entre Amorim e o subsecretário de Estado americano, Thomas Shannon, na última terça-feira, no mesmo dia em que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, acusava publicamente Washington de preparar um golpe de Estado para derrubar Morales.

Como sinal de que tampouco quer apartar-se de seus companheiros, o presidente brasileiro deverá mostrar ao líder boliviano que estará pronto para ajudar no diálogo entre essa nova aliança e Washington.