Título: A Venezuela e o Mercosul
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Notas e Informações, p. A2

Estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que a entrada da Venezuela no Mercosul em pouco alterará o perfil econômico do bloco. Haverá um acréscimo de 7,7% do PIB do Mercosul e um aumento de 11,6% da população, mas o PIB per capita cairá 3,4%. Sendo assim, não haverá motivos para que os tratados e acordos constitutivos do Mercosul sejam rediscutidos durante as negociações entre o governo da Venezuela e o bloco, como receiam alguns observadores. Não existem, portanto, condições objetivas para o coronel Hugo Chávez tentar transformar o Mercosul em um instrumento de sua política bolivariana. É a Venezuela que tem de aceitar os termos dos documentos básicos do Mercosul ¿ e eles não estão abertos à discussão. ¿Ao ingressar no Mercosul¿, observa a economista da CNI, Lúcia Maduro, ¿a Venezuela tem que respeitar as normas vigentes, melhorar as condições de acesso ao seu mercado e se comprometer com os interesses econômicos e comerciais do bloco.¿ Os presidentes Néstor Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva patrocinaram a criação de uma categoria especial de associado ao Mercosul para permitir a adesão mais rápida da Venezuela ao bloco. Mas isso não exime o governo de Caracas de incorporar o país à área de livre comércio, aderir à tarifa externa comum do Mercosul e incorporar à legislação nacional os compromissos e acordos externos, bem como as normas fundamentais do bloco.

O que a Venezuela pode discutir ¿ e certamente o fará ¿ é o cronograma de abertura de seu mercado aos sócios do Mercosul. E, a julgar pelo acordo que rege as relações comerciais entre Brasil e Venezuela, as condições que Caracas tem a oferecer não são nada atraentes. O regime, que vale para os países da Comunidade Andina, não apenas é flagrantemente assimétrico como prevê condições e prazos de desgravação tarifária tão longos e complicados que praticamente condenam o comércio bilateral à estagnação. São, afinal, 67 cronogramas diferentes de desgravação, que consagram a seguinte distorção: em um ano, 80,9% dos produtos venezuelanos exportados para o Brasil não serão taxados, porcentual que chegará a 91,2% em cinco anos; mas em cinco anos somente 16% das exportações brasileiras para a Venezuela estarão liberalizadas, e demorará 14 anos para que o porcentual chegue a 63,6%.

O Brasil abriu generosamente o seu mercado à Venezuela e não há razões para que essa abertura se amplie ainda mais. Na verdade, será necessário obter-se um equilíbrio maior, sem o qual o comércio intra-regional não atingirá o volume que se espera com a entrada da Venezuela no bloco.

É preciso notar que, com a auto-suficiência da produção de petróleo, o Brasil tenderá a comprar menos da Venezuela. E só dentro de quatro ou cinco anos, com a entrada em operação da refinaria que a Petrobrás e a PDVSA construirão em Pernambuco haverá necessidade de reforço de fornecimento. Mas isso não reduz a importância da Venezuela como fornecedora de energia. Se a idéia do gasoduto ligando cinco países, do Orenoco à Patagônia, não parece viável, são bastante concretas as possibilidades de complementação do fornecimento de energia elétrica do Norte do Brasil pelas grandes hidrelétricas venezuelanas.

Mas realmente decisivo nas negociações entre a Venezuela e o Mercosul será o enquadramento do coronel Hugo Chávez aos projetos políticos e econômicos do bloco. O coronel Chávez elegeu o presidente George Bush e os Estados Unidos como inimigos da Venezuela e tenta aliciar os países vizinhos para sua causa. É ferrenho opositor a qualquer acordo comercial ou político que envolva os EUA. Isso inclui a Alca, cujo enterro já anunciou.

Mas nem tudo o que Chávez diz ele faz. E, assim, os Estados Unidos são o maior fornecedor externo de produtos para a Venezuela, com 32,2% do comércio, e o maior comprador de petróleo daquele país, responsável por parte substancial dos US$ 24 bilhões anuais de seu saldo comercial.

Por isso, e principalmente porque nos projetos políticos de Chávez o que falta de sensatez sobra de autoritarismo, o Brasil não pode permitir que seja ele a definir as posições comuns do Mercosul nas negociações comerciais e na atuação política do bloco.