Título: O fiel da balança ambiental
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Enquanto delegados de alguns dos países mais poluidores do globo, ribeirinhos do Oceano Pacífico, participavam de uma conferência de dois dias, encerrada ontem na Austrália, a fim de discutir uma questionável alternativa ao Protocolo de Kyoto sobre mudança climática, supostamente capaz de conciliar crescimento econômico e proteção ambiental, um estudo americano concluía que o destino do planeta está nas mãos de dois daqueles países, a China e a Índia. Divulgado na quarta-feira, o documento O estado do mundo, de 244 páginas, de autoria do conceituado Worldwatch Institute, demonstra que as escolhas que chineses e hindus fizerem nos próximos anos ou levarão a um futuro atormentado por crescente instabilidade ambiental e política ou apontarão o caminho para um modelo de desenvolvimento baseado na eficiência tecnológica e na administração racional dos recursos naturais. A questão central, como se sabe, é a dos padrões de consumo de energia, fontes de alimentos e matérias-primas. Mantidos os padrões que caracterizam o estilo de vida do Ocidente desenvolvido, o crescimento colossal da demanda combinada dos 2,5 bilhões de habitantes da China e da Índia representará para o meio ambiente uma carga literalmente insuportável. Desde já provoca alarmantes efeitos em cascata por toda parte, observa o estudo, citando, entre outros, o aumento das pressões sobre as reservas florestais brasileiras.

A equação é assustadoramente singela. Os Estados Unidos consomem 3 vezes mais grãos por pessoa do que a China e 5 vezes mais do que a Índia. Na América, as emissões de gás carbônico ¿ apontadas como a principal causa do efeito estufa, responsável pelo aquecimento global ¿, são 6 vezes maiores do que as da China e 20 vezes maiores do que as da Índia.

Pois bem. Se esses dois países consumirem recursos e poluírem a natureza nos mesmos níveis atuais americanos per capita ¿ o que, sobretudo na China, já é uma questão de tempo ¿, seriam necessárias duas Terras para sustentar as suas economias, projeta o trabalho. No ano passado, só a China consumiu 26% do aço e 47% do cimento fabricados no mundo. O país é o segundo maior emissor de dióxido de carbono. A Índia, o quarto. Portanto, embora as suas demandas de recursos por habitante ainda sejam relativamente baixas, devido às suas imensas populações, ambos compartilharão com os Estados Unidos e a Europa da condição de superpotências ecológicas, cujas pressões sobre os ecossistemas planetários superarão folgadamente a dos outros países, prevê o Worldwatch. A China, com 22% da população mundial, tem apenas 8% da água fresca do planeta. A Índia desperdiça quase a metade das chuvas e da neve que caem no território continental.

O catálogo de calamidades ambientais, especialmente na China, parece infindável. No livro The river runs black: the environmental challenge to China's future, a autora americana Elizabeth C. Economy esmiúça a assombrosa devastação ambiental de duas décadas de ¿desenvolvimento econômico enlouquecido¿, sobretudo o envenenamento em escala talvez sem paralelo dos rios chineses por uma infinidade de indústrias construídas nas suas margens, livres para poluir ¿ isso em um país onde, durante milênios, as artes e a cultura reverenciavam a natureza.

O custo econômico da degradação ecológica produzida pelo capitalismo selvagem chinês, combinado com as políticas autoritárias do regime de partido único, equivale a perto de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Não admira que chineses e hindus de elite se perguntem em voz cada vez mais alta se os seus países não devem mudar de estratégia ¿ em que pesem as urgentes aspirações materiais dos seus povos.

No estudo do Worldwatch, o influente economista chinês Zjeng Bijian defende ¿uma nova rota para a industrialização, baseada na tecnologia, baixo consumo de recursos naturais e alocação ótima de recursos humanos. E o cientista hindu Sunita Narain afirma categoricamente que ¿Índia, China e todos os seus vizinhos não têm escolha a não ser reinventar a sua trajetória para o desenvolvimento¿. Por sua vez, o presidente do Instituto, Christopher Flavin, se diz encorajado pelo fato de um crescente número de líderes de opinião, em ambos os países, reconhecer que ¿o modelo de crescimento econômico baseado no uso intensivo dos recursos ambientais não pode funcionar no século 21¿. Falta combinar com os donos do poder em Pequim e Nova Délhi.