Título: Loteamento da Funasa desorganiza ajuda às tribos
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Nacional, p. A4

BRASÍLIA - Responsável por dois convênios firmados com a Fundação Nacional de Saúde para dar assistência a grupos indígenas, o coordenador do Projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo, Douglas Rodrigues, desabafa: ¿Estou cansado de receber indicações políticas para preencher cargos. Muitos não sabem nada da área. Aqui, isso não passa¿, afirma. Ele constata, no entanto, que a prática ao longo dos últimos anos se intensificou e o loteamento de cargos na Funasa, hoje, é feito desde o nível central até a ponta. ¿O resultado está aí: em várias regiões falta de tudo, desde gasolina para equipes até dipirona ou remédio para tratar diarréia nas aldeias.¿ O desmonte do já precário sistema de atendimento aos índios começou em 2003, com uma portaria que concentrava poderes na Fundação Nacional de Saúde para compra e distribuição de medicamentos e insumos. ¿De início, elogiamos a medida. Sempre achamos que o atendimento da saúde indígena deveria ser feito apenas pela Funasa, não por ONGs ou outras instituições contratadas¿, afirma o vice-presidente do Conselho Nacional Indigenista (Cimi), Saulo Feitosa.

¿Mas tudo foi feito de forma atabalhoada, sem um período de transição. O resultado foi a desestruturação total.¿ Com a reforma, convênios ficam encarregados apenas dos recursos humanos. O restante é providenciado pela Funasa. ¿Na época, vésperas das eleições municipais, foi uma ótima moeda de troca com grupos locais¿, recorda um integrante de Organização Não Governamental que trabalha nesta área.

Douglas Rodrigues, que há 20 anos atua em programas de saúde para populações indígenas, afirma que desde que o novo sistema começou a funcionar, o planejamento das ações quase nunca é cumprido. ¿Vivemos aos sobressaltos¿, resume. Na semana passada, por exemplo, uma campanha de vacinação esteve prestes a ser cancelada, por falta de avião.

O próprio diretor da Funasa, José Maria França, admite a falta constante de medicamentos: ele diz que, ao assumir em agosto, encontrou um orçamento praticamente esgotado. ¿Tivemos de pedir suplementação orçamentária. E sem dinheiro, fica difícil trabalhar.¿

Rodrigues, no entanto, avalia que o problema não é apenas logístico e muito menos, temporário. ¿Há problemas estruturais que precisam ser resolvidos com urgência¿, avalia. Há distritos de saúde indígena funcionando de forma precária, com aparelhos quebrados.

Tanto Rodrigues quanto Feitosa afirmam que o maior entrave, no entanto, é a falta de vontade política. ¿Índios são uma pedra no sapato de madeireiros, garimpeiros, do agronegócio. Seria ingenuidade esperar que dirigentes locais comprassem briga com esses setores para defender ou atender os interesses dessas populações¿, afirma Feitosa. ¿Quanto mais fracos os índios, melhor¿, ironiza.