Título: `Emergentes, agora, precisam estimular o mercado interno¿
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Economia & Negócios, p. B5

O alerta é de Stephen Roach, do Morgan Stanley, que vê distorções nessas economias

Um grave desequilíbrio econômico ameaça os países em desenvolvimento. Este é o alerta de Stephen Roach, economista-chefe do banco de investimentos Morgan Stanley e um dos mais respeitados especialistas em economia internacional. Roach afirma que os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, têm se apoiado primordialmente nas exportações para crescer, mas precisam estimular suas economias domésticas. "Estou bastante preocupado com a distorção da economia real dos países em desenvolvimento: enquanto as exportações crescem vigorosamente, o consumo doméstico não aumenta no mesmo ritmo", diz Roach.

No caso do Brasil, a advertência não poderia ser mais precisa: as exportações batem recorde atrás de recorde, mas a economia doméstica tem apresentado resultados decepcionantes. Para Roach, as nações do mundo não podem continuar crescendo "à custa" dos EUA. Elas precisam desenvolver seus mercados internos.

Roach é conhecido por carregar nas tintas pessimistas e previu o estouro da bolha da internet, contrariando a euforia reinante na época. Abaixo, os principais trechos da entrevista que Roach concedeu ao Estado, de Nova York.

FIM DA BONANÇA DOS MERCADOS EMERGENTES

No ano que vem, há 40% de probabilidade de uma desaceleração no consumo dos EUA, o principal combustível para o crescimento dos emergentes. Por isso, 2006 será um ano de desafios, há grandes riscos de uma desaceleração. O Brasil tem um setor exportador de muito peso na economia. E o País depende cada vez mais das exportações para China. A China, por sua vez, destina 40% de suas exportações aos EUA - se o consumidor americano cansar, a economia da China vai esfriar e as duas coisas terão grande impacto sobre o Brasil.

DESEQUILÍBRIO DA ECONOMIA REAL

Desde a última crise financeira global (crise da Ásia, em 1998), os países emergentes fizeram grandes progressos. Aumentou muito o nível de reservas, caiu a dependência de fluxos de capital de curto prazo, seus regimes cambiais passaram a ser flutuantes. Todos esses avanços são muito importantes, mas estou bastante preocupado com a distorção da economia real desses países: enquanto as exportações crescem forte, o consumo doméstico não aumenta no mesmo ritmo. Esse é um desequilíbrio muito preocupante. Talvez esses países consigam estimular o mercado interno este ano, em vez de depender primordialmente de exportações. Mas é difícil, não existe nenhum botão mágico que faz as pessoas começarem consumir.

O FUTURO DA CHINA

O modelo de crescimento chinês precisa mudar. Investimento e exportações respondem por cerca de 80% a 90% do PIB da China. O consumo doméstico teve uma baixa recorde no ano passado. Vai ser difícil a China simplesmente fazer os chineses começarem a consumir, será necessário muito esforço. Se eles conseguirem lidar com a insegurança dos consumidores com redes de apoio aos desempregados, e conseguirem criar mais empregos, gerando poder de compra, isso vai criar uma cultura de consumo no país.

EXCESSO DE POUPANÇA

A teoria do excesso de poupança global (idéia lançada pelo novo presidente do Fed, Ben Bernanke, para explicar o desequilíbrio econômico mundial; para Bernanke, o maior problema não são os déficits americanos, mas sim a falta de consumo e conseqüente excesso de poupança na Ásia, Europa e países emergentes) foi uma idéia criada na América só para pôr a culpa do desequilíbrio mundial em alguém. Os EUA têm uma deficiência de poupança, e isso não acontece por culpa de nenhum outro país do mundo, mas porque o governo em Washington acredita em déficits permanentes no orçamento e políticas que desestimulam a poupança. Por isso, temos uma taxa líquida de poupança de apenas 1,5% do PIB desde 2002. Adeptos da teoria do excesso de poupança vão dizer que os EUA estão fazendo um favor ao mundo ao consumir o excedente. Ora, os EUA não fazem um favor a eles mesmos. E ao culpar a China e pressionar Pequim para que valorize mais sua moeda, o renminbi, Washington está só fazendo política.

ELIXIR DO CRESCIMENTO PARA EMERGENTES

O crescimento dos países em desenvolvimento pode se manter vigoroso desde que o consumo dos EUA continue em alta, ou os emergentes passem a depender mais do crescimento do consumo de seus próprios mercados. Para estimular o mercado interno desses países, é preciso gerar empregos e montar redes de apoio para os desempregados.