Título: Ricos resistem mais às políticas de combate à inflação, diz Meirelles
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Economia & Negócios, p. B1,3

Numa resposta indireta a seus críticos, presidente do BC diz que os pobres já perceberam as vantagens da queda da inflação

A maior contradição com que o PT terá de lidar neste ano eleitoral será defender a política econômica do presidente Lula, da qual discorda frontalmente. Como o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, seguirá prestigiado, o alvo preferencial do PT passou a ser o ex-tucano e presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, responsável pela execução da política de juros. Nesta entrevista, concedida na sexta-feira, Meirelles defende o Banco Central, destaca os efeitos sociais positivos da política de combate à inflação e diz que o nível adequado das reservas só é percebido quando se chega lá. Não é só o PT e o fogo amigo dentro do governo que estão contra a política de juros. É grande o número de ex-presidentes e ex-diretores do Banco Central convencidos de que o banco exagerou na dose dos juros. Nessa lista estão Gustavo Loyola, Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore, Ibrahim Eris, Sérgio Werlang e Ilan Goldfajn. Como economistas tão experientes em políticas públicas podem estar equivocados em matéria de política monetária?

É normal que o Banco Central assuma posições mais cautelosas do que o resto do setor privado. Em todo o caso, em 2005, a inflação vai ficar acima da meta de 5,1%. Se ficou acima da meta, não dá para dizer que o Banco Central exagerou. São esses economistas que têm de explicar por que insistem em que houve exagero se a inflação ficou acima da meta.

Para o Banco Central, a formação de expectativas é elemento essencial na condução da política monetária. Por que, então, está perdendo a batalha na opinião pública sobre os juros?

Este é um ponto muito importante. Na pergunta anterior, a discussão é sobre sintonia fina. Nesta, é sobre até que ponto a sociedade deseja uma inflação baixa e na meta. Países que dão valor a inflação baixa e na meta dão alta prioridade ao combate à inflação e acham que vale a pena pagar os custos disso. Algumas camadas da população entendem que a inflação não é fenômeno tão nefasto como se diz e que é possível crescer mais com mais inflação. É concepção errada, fruto de nossa história. Quando ficarem mais claras as vantagens da inflação baixa e da inflação na meta, essa batalha vai perder importância.

O que falta para que a sociedade tenha essa percepção?

Parcelas da população de renda mais baixa já perceberam as vantagens de uma inflação controlada, especialmente no salário, que rende mais. As camadas mais ricas, que aprenderam a perder menos com a inflação, são mais resistentes. Enfim, falta convergência da inflação para a meta por um período mais longo.

A maioria dos críticos dizque se os juros baixassem mais rapidamente, não haveria nenhum efeito relevante sobre o comportamento da inflação. Por que a obsessão do BC?

Não há obsessão. O Comitê de Política Monetária (Copom) analisa todas as variáveis que interferem na inflação e fixa os juros de acordo com o que vê. Mas essa pergunta tem relação com a anterior. Na medida em que uma importante parcela da população ainda não entendeu que o cumprimento da meta é importante, o desempenho da tarefa do BC de cumprir a meta passa a ser considerado obsessão. Há alguns anos, brasileiros residentes nos Estados Unidos diziam que os americanos têm obsessão em respeitar os semáforos. Para esses brasileiros, obedecer sinal vermelho não era considerado boa prática; era obsessão.

O senhor não respondeu ao mérito da pergunta anterior. Dá para dizer que se o BC baixasse mais rapidamente os juros não haveria nenhum efeito relevante sobre a inflação?

Se fosse essa a percepção, a decisão do BC teria sido diferente.

Até recentemente, a cada turbulência externa, o Banco Central aumentava os juros. As condições externas melhoraram muito, o índice de risco Brasil está abaixo dos 290 pontos, há farta liquidez externa e não há risco visível de fuga de capitais. Mas os juros reais continuam em torno dos 13% ao ano. Por quê?

O Banco Central se encarrega de fixar os juros de curto prazo. Mas os juros que têm mais impacto sobre a economia são os de médio e de longo prazos fixados pelo mercado. Todas as vezes que o Banco Central baixa os juros de forma voluntarista e inconsistente, o mercado reage. Identifica um aumento da inflação futura e puxa para cima os juros de prazos mais longos. Os juros reais (descontada a inflação) de longo prazo estão caindo no Brasil. Nossa expectativa é de que continuarão caindo na medida em que a inflação convirja para a meta; na medida em que os riscos macroeconômicos estejam diminuindo e na medida em que a política fiscal seja mantida.

Neste ano, os preços administrados não vão atrapalhar o controle da inflação. Ao contrário, deverão trabalhar a favor, porque o IGP-M teve uma variação de apenas 1,2% em doze meses. Por que o BC não considera essa moleza, digamos assim, e não derruba mais rapidamente os juros?

Esse fator também é levado em conta pelo Copom.

Por que os juros no Brasil têm de ser tão mais altos do que no resto do mundo?

Algumas explicações para isso não exaurem a questão: a dívida pública em relação ao PIB ainda é alta, embora cadente; a despesa pública ainda é relativamente alta em comparação com outros países similares ao Brasil; tivemos no passado alta volatilidade inflacionária que empurrou para cima os prêmios de risco; há enormes distorções no mercado de crédito; e temos nossa história de crises periódicas. É importante discutir e atacar as razões pelas quais os juros são tão altos. Mas não é produtivo achar que o Banco Central tenha o condão mágico que baixe os juros de forma artificial e voluntarista e que seremos felizes para sempre.