Título: Caso Abramoff ameaça republicanos
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Internacional, p. A15

Escândalo de corrupção de políticos e altos funcionários pode custar ao partido de Bush o controle do Congresso

WASHINGTON - Ele não tem o talento histriônico do ex-deputado Roberto Jefferson, o ex-aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que detonou seu governo ao denunciar o esquema de corrupção montado pelo então "capitão do time" do governo e do Partido dos Trabalhadores, o ex-deputado José Dirceu, para comprar a lealdade da chamada base aliada. Ao contrário de Jefferson, que se apresentou como justiceiro, Jack Abramoff , o superlobista republicano que confessou na semana passada crimes de fraude, formação de quadrilha e evasão de impostos para corromper deputados e altos funcionários da administração, fez ato de contrição pública num tribunal federal em Washington e de lá saiu trajando capa e chapéu pretos, com o look do gângster assumido que admitiu ser. Sua confissão estremeceu Washington. O acordo de redução de pena que Abramoff fez com a Justiça, após 18 meses de investigações e negociações, prevê sua condenação a cerca de 10 anos de prisão, no lugar dos 30 que pegaria se o caso fosse a julgamento. Contempla, também, a devolução de pelo menos US$ 25 milhões dos US$ 82 milhões que cobrou, por serviços prestados, das tribos indígenas operadoras de cassinos que representava. Abramoff terá de pagar ainda à receita federal mais de US$ 1,5 milhão de imposto de renda que sonegou.

A duração da pena depende, contudo, da disposição do lobista de honrar sua parte do trato e atuar agressivamente como testemunha de acusação, incriminando os congressistas, suas mulheres e filhas, assessores parlamentares e altos funcionários que aceitaram viagens, jantares, mordomias e empregos para parentes que ele distribuiu ao longo dos anos em troca de ações legislativas e administrativas, declarações e gestões benéficas a seus clientes.

O potencial corrosivo do escândalo ficou claro no dia seguinte ao da confissão de Abramoff. Subitamente preocupados em distanciar-se do lobista - que o ex-líder republicano na Câmara de Representantes Tom DeLay chamou em 1997 de "um de meus melhores e mais chegados amigos" -, o presidente George W. Bush e mais de 70 congressistas, conservadores em sua maioria, anunciaram que devolveriam ou doariam a entidades beneficentes US$ 200 mil em contribuições de campanha que receberam do lobista e de seus clientes.

As quantias envolvidas no esquema de corrupção são modestas se comparadas com os montantes citados nas investigações do mensalão no Brasil. É claro que a corrupção não é novidade nos EUA. Mas a existência de uma cultura de corrupção, que é sempre reconhecida e denunciada pelo partido que está na oposição, não significa que os crimes fiquem impunes ou as punições se limitem à perda do mandato. E, nos EUA, não existe renúncia que mantenha as chances de parlamentares sob suspeita de serem reconduzidos ao Congresso, como ocorre no Brasil.