Título: Palestinos temem caos maior
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Internacional, p. A14

Dirigente da AP receia nova ação militar, mas analista diz que falta de líder forte em Israel será melhor para palestinos

RAMALLAH, CISJORDÂNIA - Para os palestinos, o primeiro-ministro Ariel Sharon sempre simbolizou a mão de ferro de Israel. Ele é visto como o líder israelense que apadrinhou os odiados assentamentos judaicos na Cisjordânia e Faixa de Gaza e cercou cidades palestinas no auge da intifada (a revolta palestina contra a ocupação israelense). Ele é detestado por causa do muro de concreto que construiu para dividir Israel de uma Cisjordânia cada vez menor e por sua evidente recusa em lidar com o falecido líder palestino Yasser Arafat. Mesmo assim, palestinos disseram após a hospitalização de Sharon, na quarta-feira, que sua morte jogaria o já tumultuado mundo político palestino num caos ainda maior e criaria um vácuo que poderia causar problemas para os vizinhos de Israel, meses depois que o primeiro-ministro retirou os colonos judeus e seu Exército de Gaza.

"A ausência de Sharon pode colocar as coisas de cabeça para baixo", afirmou Saeb Erekat, funcionário palestino do alto escalão e negociador nos processos de paz. Ele manifestou o temor de que, enquanto os grupos políticos israelenses competem para ocupar o espaço vazio, o Exército israelense possa aumentar sua ofensiva sobre áreas da Faixa de Gaza de onde continuam a ser desfechados ataques palestinos contra alvos israelenses.

"Há muita incerteza sobre como e onde os israelenses vão parar com o fim do período Sharon", disse a repórteres o vice-primeiro-ministro palestino, Nabil Shaath.

Mesmo entre os palestinos, Sharon ganhou aplausos por sua habilidade em tomar atitudes que nenhum outro dirigente israelense tomou, principalmente a retirada da Faixa de Gaza. Mas, como primeiro-ministro, ele sempre recebeu apoio sem precedente da Casa Branca, que, segundo os palestinos, deu a ele carta branca para reforçar políticas que normalmente viam como repressivas e destrutivas a seus interesses.

"A ausência de Sharon será sentida porque ele era capaz de tomar as decisões difíceis e colocá-las em prática", afirmou Said Zawawi, professor de 34 anos, em Ramallah, na Cisjordânia.

"Francamente, não tenho muita fé nos líderes israelenses. Acho que nenhum deles quer paz, assim como Sharon. Tudo o que querem é tomar nossa terra e nos colocar em uma grande prisão", declarou o estudante Rashid Qawas, de 17 anos, também de Ramallah.

Com Ariel Sharon, o processo de paz entre Israel e os palestinos essencialmente se esgotou, substituído por medidas unilaterais israelenses que o governo do presidente americano, George W. Bush, abraçou e encorajou.

Sharon não se encontrou com o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, durante meses e permitiu que extensas construções continuassem nos assentamentos judaicos na Cisjordânia. Enquanto isso, Sharon erguia um polêmico muro, projetado para manter os homens-bomba fora de Israel, que entrava profundamente no território palestino.

Hani Masri, analista político e colunista palestino, disse que Sharon tirou da plataforma do discurso mundial as questões dos refugiados palestinos e o controle sobre Jerusalém, a cidade que tanto israelenses como palestinos alegam ser sua capital.

A parte oriental e árabe de Jerusalém foi ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e depois anexada pelo país, embora essa medida não seja reconhecida pela comunidade internacional.

Com o apoio de Bush, Sharon conseguiu reconduzir o debate sobre a paz no Oriente Médio de modo a se desviar de antigas exigências palestinas, afirmou Masri.

"A curto prazo, a situação vai ser pior para os palestinos por causa da confusão e do vácuo de poder que a ausência de Sharon vai deixar. Assim aconteceu quando Yasser Arafat morreu, em 2004", disse ele. "Mas, a longo prazo, vai ser melhor para os palestinos, porque Israel não terá o líder forte que acaba de perder."

Um primeiro-ministro israelense menos poderoso poderia ser mais suscetível à pressão internacional para fazer concessões aos palestinos, sugeriu Masri. No entanto, alguém que consiga provar ser rápido e consolidar apoio político pode ser tentado a assumir uma linha ainda mais dura contra os palestinos.

Quase todos os principais líderes palestinos expressaram preocupação e disseram rezar pela recuperação de Sharon. No entanto, a organização islâmica armada Hamas, que ameaça superar os políticos da Autoridade Palestina nas próximas eleições parlamentares, marcadas para o dia 25, afirmou em um comunicado que o Oriente Médio "estaria muito melhor" sem Sharon.

Não ficou claro se a crise de Ariel Sharon pode se tornar uma razão para adiar a eleição palestina. Abbas já sugeriu que a eleição seja postergada, citando as tentativas do governo israelense de proibir os palestinos de Jerusalém Oriental de votarem (na semana passada, a polícia israelense impediu políticos palestinos de fazer campanha na parte árabe da cidade). A liderança palestina também está lidando com a falta de autoridade na Faixa de Gaza e teme que o partido governista Fatah perca terreno para o Hamas na eleição.