Título: Calote do cartão supera cheque
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Economia & Negócios, p. B1

Pela primeira vez desde 2000, o número de registros de inadimplência nos cartões ultrapassou o do cheque sem fundo em 2005. Isso fez soar um sinal de alerta porque o cartão de crédito é uma das linhas de financiamento mais caras para o consumidor. Além disso, a aceitação do cartão de crédito parcelado em prazos longos por inúmeras redes varejistas no Natal só aumenta a expectativa de um volume maior de atrasos para os próximos meses, quando começam a vencer também as despesas obrigatórias com matrículas escolares e impostos, como Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

No ano passado, as dívidas com cartões de crédito, de lojas e carnês de financeiras tiveram o maior peso no calote da pessoa física e responderam por 34,4% dos atrasos, segundo levantamento nacional da Serasa, empresa especializada em informações financeiras. Já a fatia do cheque, que sempre liderou a inadimplência, encolheu de 34,5% em 2004 para 33% em 2005.

Também por conta da abundante oferta de crédito, a inadimplência geral das pessoas físicas cresceu 13,5% em 2005 ante o ano anterior, depois de ter aumentado 3,1% de 2003 para 2004. Com isso, o calote do consumidor no ano passado registrou a maior taxa de crescimento do governo Lula, de acordo com o Indicador Serasa de Inadimplência.

Esse indicador considera as dívidas em atraso com cartões, crediários de financeiras e de bancos, títulos protestados e cheques. O número de dias em atraso, neste caso, varia de acordo com o critério de cada instituição que inclui seu cliente inadimplente no cadastro da Serasa.

¿Soou o sinal de alerta¿, afirma o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida. Apesar do volume de crédito ao consumidor ter crescido significativamente em 2005, 41,5% em termos nominais e 32,5% descontada a inflação do período, um acréscimo de 13,5% é importante, diz o economista. Ele observa, no entanto, que esses números praticamente não incluem a inadimplência advinda das compras de fim de ano.

Almeida destaca também que o maior peso da inadimplência em número de registros ocorreu nos cartões e nos créditos concedidos por financeiras, puxado especialmente pelos cartões de crédito e cartões de loja. ¿A inadimplência cresceu num dos instrumentos mais caros de financiamento¿, ressalta o economista.

Pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Contabilidade e Administração (Anefac) revela que a taxa média mensal de juros no cartão de crédito estava em 10,25% em dezembro. No empréstimo pessoal concedido por financeiras, o encargo era de 11,73% ao mês no mesmo período.

Já a taxa média ao consumidor, que inclui os juros de lojas, cheque especial, crédito direto ao consumidor e empréstimo pessoal de bancos, além de cartão de crédito e empréstimo pessoal de financeiras, estava em 7,59% ao mês em dezembro, segundo a pesquisa da Anefac. São exatamente essas duas linhas de crédito, a do cartão e das financeiras, as mais caras do mercado para o consumidor.

O aumento da inadimplência nos cartões de crédito é confirmado pelo presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Jair Scalco. O atraso acima de 90 dias fechou 2005 entre 8,5% e 9% dos créditos a receber, um ponto porcentual acima do registrado em 2004.

¿Esse aumento não preocupa¿, diz o presidente da Abecs. Para ele, um acréscimo da ordem de 10% na inadimplência em 2005 é compatível com o aumento de cerca de 30% no faturamento no mesmo período. É que a alta da inadimplência foi menos que proporcional ao crescimento nos volumes financiados. Hoje cerca de 800 mil estabelecimentos comerciais aceitam cartões no País, número que cresce a uma taxa de 20% ao ano.

As Lojas Cem, por exemplo, há 13 meses aceita cartão de crédito. O cartão responde por 9% das vendas totais da companhia. A maior parcela, 89%, é do crediário próprio. Segundo o supervisor geral, Valdemir Colleone, a inadimplência do crediário que é administrado pela própria empresa está muito alta. Fechou ano em 4,5% dos créditos a receber, um ponto porcentual acima do registrado em 2004.

¿Estamos há um ano trabalhando para reduzir a inadimplência¿, diz o executivo. Colleone conta que, entre agosto e outubro, o índice foi até maior, chegou a 5,5%. A perspectiva agora é voltar ao patamar de 3,5% entre maio e junho deste ano. Para isso, os critérios de concessão de crédito ficaram mais rígidos, especialmente quando o cliente volta às compras parceladas num curto intervalo de tempo.

Entre os fatores apontados para o aumento da inadimplência, ele ressalta o baixo crescimento do emprego e o endividamento excessivo, além do hábito do consumidor de ficar inadimplente.

As Casas Bahia também detectaram um acréscimo de 10% na inadimplência em 2005, em relação a 2004. Hoje a perda do crediário está em 9% dos créditos a receber. A rede informa que a inadimplência está controlada e o acréscimo é proporcional ao aumento no número de lojas. A rede fechou o ano com 500 lojas, 100 a mais que em 2004.

Na opinião do vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira, a inadimplência ainda não preocupa. Ele pondera, no entanto, que se continuar crescendo é um motivo para que as instituições financeiras não reduzam os juros ao consumidor, apesar da perspectiva positiva de corte na taxa básica de juros para este ano.

De acordo com o especialista, a inadimplência tem peso significativo nos juros, 19% da taxa. A maior parcela na formação da taxa é a margem dos bancos, a diferença entre o custo de captação e os empréstimos.