Título: Sarney e Alfonsín iniciaram a trégua
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Economia & Negócios, p. B3

O reforço da relação Brasil-Argentina é alvo de apoio entusiástico do ex-presidente José Sarney (1985 a 1990), um dos protagonistas da integração entre os dois países. Em novembro de 2005, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner reproduziram o encontro, realizado há 20 anos, entre Sarney e Raúl Alfonsín na fronteira dos dois países, e assinaram 23 acordos de cooperação. Mas não chegaram nem perto de reproduzir o gesto da reunião de Sarney e Alfonsín, que pôs uma pá de cal na corrida armamentista entre os vizinhos e abriu o terreno para o Mercosul.

No fim do ano passado, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugeriu o desmembramento do Mercosul. Brasil e Argentina montariam um plano estratégico para consolidar o mercado comum entre ambos até 2014, quando iniciariam a reincorporação de Paraguai e Uruguai. Até 2017, afirmam os economistas Fábio Giambiagi e Igor Barenboim, seria possível começar a unificação monetária entre Brasil e Argentina.

Essa proposta retomaria a fórmula inicialmente imaginada por Sarney e Alfonsín, que previa um caminho gradual e cuidadoso para o Mercosul, traduzido em um tratado firmado em 1988, em Buenos Aires. Três anos depois, ambos observaram seus sucessores, Carlos Menem e Fernando Collor de Mello, definirem um novo plano, que incluía Uruguai e Paraguai e definia como meta a consolidação de uma união aduaneira. Para Sarney, essa integração passou a ter um objetivo ¿unicamente econômico¿, o que foi um erro. ¿Para o Mercosul, o Menem foi uma tragédia¿, declarou o atual senador, do PMDB do Amapá.

Ao Estado, Sarney recordou que, ao assumir a Presidência, em 1985, havia percebido um erro estratégico. Os problemas de fronteira estavam nas guerrilhas com os países vizinhos da região Norte, e não na divisa com a Argentina, como rezavam as forças militares e diplomáticas. Logo depois da posse, propôs um encontro com Alfonsín, em Foz do Iguaçu, para tratar da construção de um mercado comum, nos moldes da Comunidade Européia. Alfonsín concordou. Em Foz do Iguaçu ambos decidiram agir com mais ousadia. Brasil e Argentina fecharam um acordo nuclear, e Alfonsín convidou Sarney e cientistas brasileiros para visitar a planta atômica de Conegeu.