Título: Presidente do Mercosul quer revisão do bloco
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Economia & Negócios, p. B3

BUENOS AIRES - O presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, Carlos "Chacho" Álvarez, afirmou que o bloco do Cone Sul "precisa ser revisado". Segundo Álvarez, que foi vice-presidente da Argentina entre 1999 e 2000, as ¿assimetrias¿ comerciais e econômicas existentes entre os diversos países do Mercosul deveriam ser reduzidas, de forma a "favorecer igualmente" cada um dos sócios do bloco. Álvarez critica as supostas assimetriais comerciais entre as economias do Brasil, que é a maior do Mercosul; da Argentina, de menor tamanho; e as dos chamados sócios "pequenos", isto é, Uruguai e Paraguai. Ao longo da última semana e meia diversos integrantes do governo do presidente Tabaré Vázquez, do Uruguai, afirmaram que este está negociando um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Esse foi o caso do Ministro da Economia, Danilo Astori, visto como potencial sucessor de Vázquez, que indicou que o governo uruguaio já estava em plenas negociações. "O acordo deve ser assinado antes do fim deste governo (2010)", complementou o Ministro da Indústria, Jorge Lepra.

Por sua vez, o Ministro do Turismo do Uruguai, Héctor Lascano, disse que o "tecido" do Mercosul "está machucado", e que para restabelecer o bloco do Cone Sul seria preciso assumir "algumas mudanças". As críticas contra o bloco foi completada pelo Ministro da Pecuária, Hugo Mujico, um ex-guerrilheiro tupamaro sem papas na língua, que disse que os acordos do Mercosul não serviam para "un carajo".

A única voz divergente, até sexta-feira, era a do chanceler Reynaldo Gargano, que afirmava não haver acordo algum com os EUA. No entanto, no fim da semana, Gargano mudou o discurso e afirmou que o acordo era possível, mas para assiná-lo seria necessário que os EUA abrissem seu mercado para uma série de produtos made in Uruguay, principalmente os agropecuários. Entretanto, em um exercício de diplomacia, Gargano disse que antes de fechar o acordo com os EUA, o Uruguai pedirá autorização aos demais sócios do Mercosul.

As declarações causaram preocupação em Buenos Aires e em Brasília, já que se o Uruguai assinar um acordo dessa magnitude com os EUA seria automaticamente expulso do Mercosul, o que implicaria duro golpe para o bloco. Álvarez sugeriu que esta crise tem seu lado positivo, já que levará os países-sócios a "revisar" o funcionamento do Mercosul. Para ele, os problemas do bloco "devem solucionar-se com mais e melhor Mercosul".

INSATISFEITOS

Mas analistas afirmam que a insatisfação pode estar em um ponto sem retorno, pois entrou em escalada ascendente nos últimos dias. Em meados do ano passado, o vice-presidente do Paraguai, Luis Castiglioni, disse que seu governo estava interessado em um acordo comercial com os EUA. Diante das críticas dos outros sócios do Mercosul, o governo paraguaio suavizou as declarações do vice.

Estimulados pela rebeldia uruguaia com o Brasil e a Argentina, neste fim de semana, em Assunção, no Paraguai, surgiram várias opiniões que recomendam que o governo do presidente Nicanor Duarte Frutos deveria seguir o exemplo do governo Vázquez e também iniciar negociações para um acordo de livre comércio com os EUA. Setores empresariais e políticos do Paraguai afirmam que Brasil e Argentina sempre ignoraram os pedidos e necessidades dos sócios "pequenos". O senador Carlos Balmelli, ex-vice-chanceler e ex-presidente do Congresso, em declarações à agência Ansa, disse que o Paraguai deve "procurar sua própria política externa, deve buscar mercados que lhe sejam convenientes e atendam seus interesses¿. Segundo Balmelli, o Mercosul é um "espartilho" que o Brasil e a Argentina impõem ao Uruguai e Paraguai.

FALSO

Em Montevidéu, durante o fim de semana, continuaram as declarações demonstrando a irritação com a atual situação do Mercosul. O ex-presidente do Uruguai Luis Alberto Lacalle, um dos quatro "criadores" do Mercosul, em 1991 (quando assinou o Tratado de Assunção, junto com os presidentes do Brasil, Argentina e Paraguai), disse ao jornal portenho "Perfil" que o bloco que viu nascer naquela época está radicalmente transformado. ¿Está chegando a ponto de, aqueles que somos seus pais, não o reconhecermos mais... Não podemos seguir com um Mercosul falso".

CULPADO

O Secretário de Relações Econômicas Internacionais da Chancelaria da Argentina pôs no Brasil a culpa da irritação uruguaia com o Mercosul. ¿A manifestação da insatisfação do Uruguai é reflexo daquilo que a Argentina vem colocando (há tempos) sobre o Mercosul, ou seja, que é preciso atender as assimetrias".