Título: O óbvio ululando
Autor: Antonio P. Mendonça
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2006, Economia & Negócios, p. B4

Enquanto o samba-do-crioulo-doido envolvendo os planos de saúde privados prossegue em ritmo alucinado, com uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedendo provisoriamente ¿ dependendo do Estado ¿ o aumento aprovado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para os planos de saúde de Bradesco e Sul América, anteriores a 1998, na outra ponta o óbvio ulula como o vento nas grandes tempestades, avisando os navegantes que está ficando quase impossível contratar plano de saúde privado individual ou familiar no Brasil. E as razões para essa dificuldade decorrem exatamente do cenário surrealista que se montou em volta de um produto que, bem ou mal, atende à população brasileira muito melhor que o SUS, daí ser a aspiração de quem trabalha com carteira assinada e o sonho impossível de quem está desempregado.

Algumas entidades de defesa do consumidor, com o auxílio de parte do Poder Judiciário, que ainda não entendeu o funcionamento dos planos de saúde privados, estão defendendo tão bem os interesses dos consumidores que o resultado está sendo o mais fantástico possível: praticamente não há mais plano individual ou familiar à disposição da população brasileira.

Eles se tornaram quase sempre deficitários para as operadoras, em razão de uma lei ruim, de reajustes de preço feitos sem levar em conta as tipicidades de cada plano ou à revelia dos clausulados dos contratos, de decisões judiciais que tiram a segurança jurídica essencial para um negócio baseado em confiança, além de uma série de outros motivos que fazem pender a balança de forma desproporcional para as operadoras, pela quebra do equilíbrio econômico, indispensável para a garantia futura de um produto baseado na aleatoriedade do risco e em cálculos atuarias que dão os custos e as necessidades de receitas para cobri-los.

Receita contra custo. Esse é grande drama de todos os planos de saúde, no mundo inteiro. A diferença entre os planos públicos e os planos privados é que os primeiros podem ser quase que eternamente deficitários porque têm sempre o suporte do Estado para empurrar o déficit com a barriga, emitindo títulos, remanejando verbas ou aumentando a dívida pública por outras formas com as quais a iniciativa privada não pode contar.

Os planos privados, independentemente de sua formatação ¿ seja assistência médica, autogestão, cooperativa ou seguradora ¿ precisam sempre encontrar o equilíbrio entre despesas e receitas, sob risco de, em não o fazendo, acabarem quebrando por não ter receitas para fazer frente às despesas.

A medicina moderna é perversa para quem tem que custeá-la. Cada vez mais as pessoas vivem mais tempo, graças a produtos e serviços que custam cada vez mais caro. Essa equação tem uma única solução e é desagradável para quem paga a conta: o novo custo é proporcionalmente rateado entre os participantes do grupo, sob risco da operadora ¿ usando no curto prazo parte das receitas para continuar atendendo no futuro ¿ privilegiar quem precisa usar o plano agora, em detrimento de quem pode vir a necessitar dele apenas mais para frente, que, então, ficará na mão, porque não existirão recursos, em razão da defasagem entre receitas e despesas ao longo do tempo.

O segredo da viabilidade de todo plano de saúde privado é a divisão dos custos proporcionalmente entre os participantes. Estatisticamente, é possível traçar uma linha com os custos em função do uso do plano e é isso que permite repassar para cada participante só uma parte ínfima dessa conta. Vale dizer, usando ou não, todos pagam o atendimento da operadora à sua massa de clientes.

Assim, insistir nessa briga, obrigando os planos a cobrarem menos que o seu custo efetivo, é suicídio. Suicídio já caracterizado pela ausência dos planos individuais e familiares nas prateleiras de grande parte das operadoras. Suicídio por condenar parte da população a ficar sem um produto que lhe é muito importante.