Título: Lula prepara lista de exigências ao PT para disputar reeleição
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Nacional, p. A4

Ao mesmo tempo, expressiva fatia petista quer ressuscitar idéias da `Ruptura Necessária¿, polêmico texto de 2001

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a cúpula do PT não conseguiram até agora traçar uma estratégia para enfrentar a crise política e muito menos chegar a um acordo sobre a fisionomia da campanha à reeleição. Pior: Lula está muito contrariado com dirigentes do PT. Em conversas reservadas, tem dito que, para não encolher suas bancadas, o partido precisa mais dele do que o contrário, na eleição de outubro. A três meses e meio do 13º Encontro Nacional do PT, que de 28 a 30 de abril definirá as diretrizes do programa de governo, em São Paulo, fatia expressiva da sigla defende o rompimento com o atual modelo econômico e quer ressuscitar idéias contidas em A Ruptura Necessária. O polêmico texto foi aprovado no último encontro do PT, em 2001, na cidade pernambucana de Olinda. O receituário pregava drásticas mudanças na política econômica do tucanato, mas foi revogado seis meses depois, em junho de 2002, pela famosa Carta ao Povo Brasileiro, que tranqüilizou o mercado na campanha de Lula.

Sem conseguir hoje enquadrar o PT como gostaria, Lula não esconde a irritação com idéias mais à esquerda, da época em que era oposição. Nem com as críticas recebidas de petistas, que, avalia, só servem para desagregar. Ficou furioso, por exemplo, ao ver o secretário-geral do PT, Raul Pont, aconselhá-lo a apontar quem o traiu logo após dar o diagnóstico de que o partido deveria "sangrar" para expurgar culpas.

"Qual é o peso do Raul Pont?", perguntou o presidente a dois interlocutores com quem conversou na semana passada. "Estão vendo? Só posso ser candidato se for para ter um segundo mandato melhor do que o primeiro, com crescimento e unidade de forças. Se for apenas para dizer que sou, não serei."

Nessas conversas, Lula continua assegurando que ainda não definiu se entrará no páreo, embora o PT já tenha até mesmo montado uma comissão especial para definir as diretrizes do seu programa. Na prática, quando chegar perto do 13º Encontro Nacional, ele fará exigências ao partido para apresentar sua candidatura. Aborrecido com as constantes estocadas do PT na direção da política econômica, o presidente ordenará o fim do bombardeio.

"Não podemos ser nós contra nós mesmos", argumenta Lula. Apesar da tentativa de demonstrar proximidade, o relacionamento entre o presidente e a direção do partido é frio, muito diferente da época em que a legenda era comandada por José Dirceu - o ex-chefe da Casa Civil cassado pela Câmara - e José Genoino, também abatido pela crise. Lula quer uma campanha centrada nas "realizações" do governo. A cúpula do PT, por sua vez, cobra mudanças no programa, principalmente em relação à economia e à elástica política de alianças.

"O PT precisa deixar de lado esse diabo da questão dos juros, que nos atormenta, e ver o que conquistamos", diz o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner. "Não podemos ficar nessa de `nada vale a pena se o juro não é pequeno¿. Podemos falar em aprofundar crescimento, ampliar programas sociais, mas não em mudar de rota. A palavra ruptura não cabe nessa altura do campeonato."

Nem todos, porém, têm a mesma interpretação. Indiferente à contrariedade de Lula, o gaúcho Pont insiste em que o alvo não é apenas a taxa de juros. A ruptura necessária, para ele, também é com o elevado superávit primário (economia de gastos para pagamento dos juros da dívida), que inibe investimentos, e com as alianças eleitorais de centro-direita.

"Essas coisas precisam ser mudadas", prega o secretário-geral do PT. "Isso não significa quebrar a Constituição, rasgar contratos nem fazer uma revolução armada. Mas queremos que Lula faça um balanço do que ocorreu no seu governo. Sem uma autocrítica, não teremos um bom encontro."

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), procura pôr panos quentes nas divergências. "O desfecho da crise política vai determinar o que seremos em 2006", afirma. "No que se refere à economia, é possível praticar juros mais baixos, mas acho que o grande foco do programa de governo, se puder escolher, deve ser a educação."

Pesquisa encomendada pelo Palácio do Planalto e apresentada na semana passada mostra que a educação passou o Bolsa Família na preferência dos eleitores, liderando o ranking do que a população considera mais eficaz no governo Lula. Em segundo lugar estão as relações internacionais e, em terceiro, a estabilidade econômica.

Integrante da comissão escalada pelo PT para propor diretrizes ao programa da reeleição, o assessor de Assuntos Internacionais de Lula, Marco Aurélio Garcia, diz que o partido pede mais rapidez em ações de governo para que 2006 seja como "o primeiro ano do segundo mandato". Questionado sobre a conveniência de a legenda se debruçar sobre A Ruptura Necessária, Marco Aurélio - que também é vice-presidente do PT - observa que o documento é apenas um parâmetro. "Não é que vamos reeditar aquele texto, mas, evidentemente, daremos ênfase à necessidade de um crescimento econômico mais acelerado e de mais rapidez na distribuição de renda no País".

Defensor da política econômica, Francisco Campos, secretário-adjunto de Organização e coordenador do encontro do PT, pede cautela. "A relação com Lula já está mais distante. Precisamos fazer pacto com ele, ouvir o que deseja. Não podemos ficar no meio-termo", avalia. "Isso só nos prejudica."

Outro ponto que divide PT e governo refere-se a coligações. O partido defende a verticalização, regra que obriga Estados a reproduzirem nas chapas a parceria nacional. Para Lula, a norma dificulta alianças e deve ser derrubada até março. Mesmo diante dos obstáculos para casar de papel passado com partidos maiores por causa da crise, o presidente exige a coligação mais ampla possível. Setores do PT torcem o nariz. Querem voltar às origens, restringindo o noivado ao PC do B e ao PSB.