Título: No início era o núcleo duro. Depois, a dispersão
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Nacional, p. A6

Nos primeiros 30 meses o governo Lula possuía um "núcleo duro", imagem encontrada pelos jornalistas para designar quem de fato mandava no governo. Antes de se esfarinhar no mensalão, o núcleo fazia uma reunião com o presidente às segundas-feiras e tinha um almoço sem Lula às quartas. A idéia era dar unidade ao governo, que mesmo assim seguiu disperso e atomizado. Com a saída de José Dirceu e Luiz Gushiken, criou-se uma Coordenação Política. Os integrantes da Coordenação não são velhos generais petistas nem adversários de anos nas lutas internas. Muitos jamais entraram numa reunião do partido, como Márcio Thomaz Bastos, ou o vice José Alencar. A própria Dilma Rousseff, que tem longa experiência de militante, é uma petista retardatária - sua carreira após a democratização foi construída no PDT de Leonel Brizola. Único dos antigos fundadores do partido a manter-se no comando do governo, Luiz Dulci não tem perfil de senhor da guerra. Muito educado e cordato, já se mostrou capaz de abrir mão de poder quando essa atitude iria beneficiar o conjunto. Tais gestos evitaram crises inúteis. Logo depois da posse, porém, Dulci abriu mão de determinadas atribuições, permitindo que Dirceu montasse sua academia de halterofilismo político.

A Coordenação não tem autoridade dentro do PT. Dirceu podia comparecer a uma reunião para cobrar lealdade de dirigentes e enquadrar os militantes. Gushiken tinha sua turma no movimento sindical. Hoje, a relação inverteu-se. Quem cobra e até ameaça, na verdade, é Ricardo Berzoini, presidente do PT.

O governo Lula nasceu promovendo a confusão entre política e administração, reinos complexos e contraditórios que José Dirceu tomou para si, diante do olhar espectador do presidente. O espólio de Dirceu foi repartido entre Dilma e Jaques Wagner, separação que é vista como um dado positivo no Planalto. Assessores de Lula estão convencidos de que Wagner é o melhor nome que o governo já teve na área política. Sem competir entre si, eles não têm motivo para promover rituais de canibalismo no Planalto. Mas sobra a questão principal, que é o caráter errático das decisões do governo. Pela grandeza e virulência, a guerra entre Dilma e Palocci abriu uma ferida sem cura. O confronto pela política econômica atingiu o eixo do governo.