Título: `Não vamos permitir obras com custo exagerado¿
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Nacional, p. A9

Ele não está convencido da necessidade de iniciar operação tapa-buraco sem licitação pública para a escolha das construtoras

BRASÍLIA - Presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Adylson Motta é um dos críticos da operação de emergência que o governo anunciou para as estradas federais. Ele não está convencido de que seja necessário apelar para a dispensa de licitação na escolha das construtoras que farão as obras. Nos próximos dias, Motta e seus colegas do TCU devem se reunir com representantes do governo para tratar do assunto. Independentemente da conversa, ele garante que a fiscalização das obras será intensa. Veja os principais trechos da entrevista ao Estado:

O senador Romeu Tuma (PFL-SP) anunciou que pedirá ajuda ao TCU para impedir que a operação tapa-buraco, que ele chama de buracoduto, seja o substituto do valerioduto. Como o TCU pode ajudar?

Também estou preocupado. Primeiro, porque a emergência é caracterizada pelo menos pela imprevisibilidade. E neste caso não se trata de imprevisibilidade, mas de uma série de fatores, principalmente o desleixo. Não leva à excepcionalidade de uma contratação sem licitação. Dos 26 mil quilômetros de estradas a serem recuperadas, 19 mil têm contrato e 7 mil seriam tratados na excepcionalidade, com dispensa de licitação. Na sexta-feira estiveram aqui representantes do Ministério do Transportes, do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) e da Casa Civil. Ficou acertado que faremos novas reuniões. Vamos fazer um acompanhamento rigoroso.

Qual será o próximo passo?

Teremos uma reunião com os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Alfredo Nascimento (Transportes) e os demais ministros do TCU para saber que trechos serão recuperados, quais serão feitos sem licitação, quais serão os Estados, quanto vai custar. Vamos ter muito cuidado nas questões da qualidade técnica e dos preços praticados. Não vamos permitir obras com custo exagerado nem com deficiência técnica.

O fato de o ministro dos Transportes dizer que o efeito da operação tapa-buraco será de um ano não parece um desperdício?

É uma coisa que vamos questionar. Nós não podemos nos dar ao luxo de gastar quantias como esta para nada. Queremos que as estradas sejam feitas com qualidade.

O sr. teve alguma surpresa com os casos de corrupção investigados pelas CPIs e pelo próprio TCU?

Às vezes me considero meio ingênuo, embora tenha 40 anos de política, 20 de mandato parlamentar e uns 15 em cargos públicos, como este no TCU e em secretarias de Estado. A cada dia me surpreendo, o Brasil é surpreendente: quando penso que uma coisa foi resolvida, ela recrudesce. É o caso da corrupção. A gente vê um caso, cria uma CPI, toma uma série de providências e dali a uns anos o episódio se repete.

O que se pode fazer?

É preciso adotar algumas práticas e uma fiscalização permanente. Uma idéia seria exacerbar as penas, com multas elevadas e inabilitação de empresas condenadas. Isso desestimularia muita gente na prática de corrupção. Tem havido muitas irregularidades nas empresas, talvez pela dificuldade de fiscalizar. Quando alguém diz que o Brasil não é mais corrupto que outros países, não é isso, o Brasil é pouco fiscalizado. Em todas as áreas há necessidade de fiscalização. Por que as estradas não têm sinalização? Por que existe a buraqueira? Porque não existe um sistema de fiscalização e manutenção. Se houvesse um serviço que cobrasse do governo e fiscalizasse permanentemente, poderia mudar esse quadro.

Como tem sido a relação entre o TCU e as CPIs?

Procuramos dar todo o apoio. Oito funcionários estão à disposição da CPI dos Correios. Ao mesmo tempo fizemos o mesmo esquema aqui no tribunal, com 114 funcionários atuando em diversos órgãos que de alguma forma foram atingidos por denúncias de malversação de verbas e fraudes. Auditorias foram feitas nos Correios, Previdência, Petrobrás, Banco do Brasil, ministérios...

A divulgação de relatórios preliminares do TCU por integrantes das CPIs preocupa o senhor?

Sempre tivemos a cautela de recomendar às CPIs que mantivessem sigilo sobre os dados, porque são exames preliminares, sujeitos a alterações. A divulgação causa problema porque todos os órgãos ficam sob suspeição. Temos aqui cobrado rigorosamente que se preservem assuntos reservados. Isso aí abala a credibilidade, não é bom. Agora, é difícil manter a reserva. A CPI tem vários parlamentares, alguns são mais contidos, outros menos.

Como são os esquemas detectados pelas auditorias do tribunal?

Pagamentos de serviços não prestados, por notas frias, barriga de aluguel, como é chamada a empresa que recebe a verba e passa para outras que realizam o trabalho, ficando com uma parte do dinheiro.

Esses esquemas levantam a suspeita de que abasteceriam um caixa 2 do PT ou de outro partido?

Qualquer tipo de fraude causa algum benefício a alguém. Agora, se era imediato ou se era depois canalizado para um esquema maior , não deu ainda para ser detectado. Mas que muita gente foi beneficiada com isso aí, não tenho nenhuma dúvida.

O aparelhamento da máquina pública aumentou a corrupção?

É difícil dizer se aumentou ou não. O que se observa é que há mais transparência, ano a ano, pela fiscalização mais eficiente. Não é que eu queira puxar brasa para o TCU, mas os mecanismo de controle se aperfeiçoam e detectam mais irregularidades. E a imprensa tem tido papel fundamental nisso.