Título: Quase dois anos depois, chacina de Unaí continua sem ninguém punido
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2006, Nacional, p. A10

Nove réus aguardam julgamento, um dos supostos mandantes é um prefeito na ativa e faltam verbas para fiscalizar

UNAÍ - Quase dois anos depois da execução de quatro funcionários do Ministério do Trabalho em Unaí, em Minas Gerais, os homens apontados como mandantes do crime continuam soltos. Um deles, Antério Mânica, dá até expediente diário como prefeito da cidade. E nega envolvimento no caso. O crime chocou o País e repercutiu internacionalmente. Os funcionários assassinados friamente numa emboscada, em 28 de janeiro de 2004, investigavam à época denúncias de trabalho escravo na zona rural do município, ao noroeste de Minas. Apesar da chacina e de o governo Lula dizer que vê com atenção o tema, vai cortar neste ano quase 50% dos recursos destinados à área. A previsão do orçamento de 2006 para a fiscalização para erradicação do trabalho escravo é de R$ 2,545 milhões. No ano passado, o governo destinou R$ 4,8 milhões para a área. A redução do orçamento, admite o secretário-executivo do Ministério do Trabalho, Alencar Ferreira, não apenas desse, mas de todos os programas ligados à pasta, vai comprometer o trabalho que vinha sendo realizado. "Não dá para fazer mágica", reconhece.

Enquanto os envolvidos no crime de Unaí não são julgados - ao todo são nove os réus do processo -, as viúvas dos três auditores fiscais e de um motorista do Ministério do Trabalho lutam para que os culpados sejam punidos.

"Eu só quero que aconteça aquilo que o presidente Lula nos prometeu na missa de 7º dia. Que a Justiça seria feita e os culpados pagariam, doesse a quem doesse", desabafa Helba Soares da Silva, que perdeu Nelson José da Silva, companheiro de quatro anos e homem com quem se casaria em março de 2004. "Não deu tempo. Ele se foi dois meses antes", lamenta ela, emocionada.

CONSOLO

Na semana passada, a sanção da lei que concede auxílio especial aos dependentes legais dos mortos, no valor de R$ 200 mil, serviu de consolo. "Mas nada os traz de volta", afirma Helba, que passou a ter a luta pela punição dos culpados como razão de viver. "Depois que tudo terminar, que o julgamento acontecer, não sei o que vai ser", desabafa, enquanto olha os documentos que o marido trazia consigo no dia do crime, ainda com mancha de sangue.

A luta de Helba é também a luta de Marlene, Maria Inês e Genny, viúvas de Ailton Pereira de Oliveira, Erastótenes de Almeida Gonçalvez e João Batista Soares Lage. Dos quatro, três morreram atingidos por tiros na cabeça. Ailton, o motorista, levou um tiro, mas não morreu na hora. A bala ficou alojada em seu maxilar. Ele chegou a recobrar os sentidos e ver os amigos ao lado, executados.

Apesar de à época os funcionários do Ministério do Trabalho estarem trabalhando em denúncias de trabalho escravo, como confirmam amigos e familiares, o governo assegura que a fiscalização feita naquele dia era de rotina.

O secretário-executivo do ministério, no entanto, reconhece que o trabalho escravo, apesar dos esforços oficiais, ainda existe no Brasil. Cita iniciativas do governo e o reconhecimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que aponta o País como referência internacional no combate aos abusos nessa área.

Em geral, revela Alencar Ferreira, o trabalho escravo no Brasil está ligado aos crimes ecológicos, como as ações de desmatamento, e à criação extensiva de gado. As regiões onde há maior número de denúncias e registros de abusos são o sul do Pará e do Maranhão e o norte de Mato Grosso e do Tocantins.

PROGRESSO

De 1995 até novembro de 2005, segundo dados do Ministério do Trabalho, mais de 17 mil trabalhadores foram libertados. Do total, quase 12 mil no governo Lula. "O trabalho escravo tem sido combatido por grupos móveis", comenta Ferreira, referindo-se às equipes formadas por funcionários do próprio ministério, além de agentes da Polícia Federal e de integrantes do Ministério Público Federal.

Sobre a redução no orçamento da verba destinada à erradicação do trabalho escravo, Ferreira assegura que o tema não deixou de ser prioridade. "Fizemos um grande esforço na construção da peça orçamentária de 2006 para ampliar todo o orçamento dos programas do ministério. Nosso pleito era de R$ 1,81 bilhão. Mas a equipe econômica fechou em R$ 648 milhões", lamenta. A redução, admite, "vai comprometer todas as ações" da pasta e "vai trazer conseqüências graves" .

"Estamos atuando fortemente junto aos deputados, conversando com os relatores do orçamento, inclusive os setoriais, para que consigam algum recurso a mais (para os programas do ministério)", afirmou o secretário-executivo.

SEM MÁGICA

"Não fazemos mágicas. Se confirmado esse orçamento, haverá conseqüências políticas, na relação com organismos sociais e vai comprometer a eficiência dos programas", diz. Realista, Ferreira completa: "Não se faz programa social, de inclusão, de fiscalização com trabalho voluntário apenas." Falta dinheiro.

Verba, por sinal, tem sido um problema para a pasta. No ano passado, segundo Ferreira, o Ministério do Trabalho empenhou (autorização para gastos) R$ 750 milhões. Já não era o ideal. Agora, piorou.