Título: A 'renascença' da energia nuclear
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

De tempos em tempos, surgem na imprensa artigos propondo a revigoração do Programa Nuclear brasileiro. Este tipo de "campanha" não ocorre apenas no Brasil, mas também em alguns outros países - principalmente Estados Unidos e Inglaterra - cujos governos estão empenhados num "renascimento" da energia nuclear, setor este estagnado há muitos anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, não se inicia a construção de um novo reator nuclear há mais de 20 anos. Existem basicamente dois argumentos invocados pelos proponentes deste "renascimento".

O primeiro - e o mais fácil de entender - se baseia nos interesses econômicos dos grandes grupos industriais que no passado construíram a grande maioria dos reatores nucleares. São empresas alemãs, inglesas, americanas e francesas que agora estão unidas, tentando ampliar seus mercados, ora vendendo reatores nucleares à China, à Índia e talvez até ao Irã. O governo americano está tentando recomeçar a construção de reatores nos Estados Unidos criando incentivos fiscais e simplificando o licenciamento ambiental de novos reatores, sem muito sucesso até o presente. A única indicação que anima esses grupos é um novo reator que será construído na Finlândia, que sinalizaria o reinício em grande escala da energia nuclear. No entanto, a insuspeita revista inglesa The Economist publicou recentemente uma análise desse empreendimento finlandês mostrando que ele é fortemente subsidiado, que é a única maneira de tornar sua eletricidade competitiva com outras opções.

O segundo argumento é o de que energia nuclear não contribui para a emissão de gases que provocam o aquecimento da Terra, como as usinas termoelétricas, que queimam carvão, derivados de petróleo ou gás. Para tornar a energia nuclear competitiva seria necessário dar ao carbono um valor de mais de US$ 200 por tonelada, enquanto ele está sendo comercializado hoje por menos de US$ 10 por tonelada. Por esse motivo, alguns ecologistas têm até se manifestado a favor da energia nuclear, como James Lovelock, mas a própria publicidade dada a declarações de ecologistas que antes eram contrários à energia nuclear e agora mudaram de idéia torna esta "conversão" um tanto quanto suspeita. Por trás disso há provavelmente uma guerra entre os produtores de carvão e gás natural - que não querem perder o seu mercado tradicional de suprir usinas termoelétricas - e as indústrias que produzem equipamentos nucleares. É esta luta que explica o entusiasmo de certos setores por energia nuclear, e não a ação virtuosa, que seria reduzir as emissões de carbono.

Todos esses argumentos têm sido usados também no Brasil para justificar não só a conclusão do reator nuclear de Angra 2, como também a construção de usinas de enriquecimento e até de um submarino nuclear como fator de afirmação da tecnologia nacional e da própria defesa nacional.

O deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) fez recentemente um resumo de algumas dessas justificativas sob um enfoque fortemente nacionalista, mas lamentavelmente elas estão todas equivocadas. Seus argumentos não levam em conta nenhuma consideração econômica, como se o domínio da tecnologia nuclear fosse capaz de nos tornar instantaneamente uma grande potência. Só para dar um exemplo, manter operando Angra 1 e Angra 2 custa à Eletrobrás o pagamento dos juros de uma dívida de cerca de R$ 4 bilhões, que a Nuclebrás não consegue pagar com a eletricidade que produz nos seus reatores. Concluir Angra 3 aumentará muito esse custo, além dos novos investimentos necessários, de quase US$ 2 bilhões.

Há motivos de orgulho dos progressos científicos e tecnológicos que fizemos nas últimas décadas nesta área. A produção e o uso de isótopos radioativos que são feitos no reator de pesquisas do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) são um exemplo de sucesso, mas reatores nucleares que produzem eletricidade, como Angra 1 e 2, não são necessários para tal. Enriquecer urânio, que foi viabilizado com sucesso em Aramar, é outro desses exemplos, mas transformar esta atividade numa grande indústria requer outro tipo de decisão e investimentos - os sonhos de se tornar um grande exportador de urânio enriquecido serão de difícil realização.

A idéia de defender a costa brasileira com um submarino nuclear é questionada dentro da própria Marinha, na qual muitos acreditam que uma boa frota de barcos de superfície rápidos e bem armados seria perfeitamente satisfatória e provavelmente custaria muito menos.

Argumentar também que a posse de armas é que tornará o Brasil forte é uma visão atrasada do mundo moderno. A China é um país forte e está ameaçando o domínio mundial dos Estados Unidos não por possuir algumas bombas nucleares, mas porque sua economia está crescendo 10% ao ano e dominando as exportações em muitos mercados.

Da mesma forma, o que poderá tornar o Brasil um grande país é resolver os problemas do subdesenvolvimento e dar ao nosso povo acesso aos benefícios da tecnologia moderna, e não se envolver em aventuras que criam desconfianças internacionais, como a possível proliferação de armas nucleares (já defendida pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral), que deu origem aos sérios problemas que o Irã enfrenta hoje com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Não nos parece que colocar o Brasil numa categoria próxima a esta sirva aos interesses do País. A energia nuclear tem um papel no mundo moderno, mas o mesmo ocorre com outras tecnologias, e o governo brasileiro tem de avaliar com cautela onde fazer seus investimentos.