Título: Final feliz no caso da pirataria
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Cerca de US$ 3 bilhões de exportações brasileiras entraram no mercado americano, em 2005, pela porta do Sistema Geral de Preferências (SGP), uma facilidade concedida por países do Primeiro Mundo a economias em desenvolvimento. O Brasil continuará a desfrutar desse benefício, informou o representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR), Robert Portman, ao anunciar o arquivamento de uma investigação sobre pirataria. Desde o começo da investigação, em janeiro de 2001, o País esteve ameaçado de exclusão do SGP. A notícia, muito bem-vinda por suas implicações comerciais, confirma a disposição do governo americano de evitar maiores tensões com o governo brasileiro na área da diplomacia econômica. Desavenças comerciais permanecem, mas Brasil e Estados Unidos têm conseguido cooperar nas negociações globais de comércio, pressionando conjuntamente a União Européia por maiores mudanças na política agrícola.

Mas é preciso aprofundar esse entendimento e buscar um novo status para o comércio com os Estados Unidos. Os dois caminhos possíveis, neste momento, são o da negociação entre o Mercosul e os Estados Unidos e o da formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), até agora evitada pelo governo petista.

O Brasil foi posto na lista dos países sujeitos a investigação do governo americano por pressão de empresas e de grupos defensores da propriedade intelectual. As autoridades brasileiras foram acusadas de tolerar falsificações e violações a patentes e a direitos autorais.

Em 2004, a Aliança Internacional da Propriedade Intelectual cobrou das autoridades americanas uma ação mais dura contra o Brasil. Uma decisão poderia ter saído em junho daquele ano, mas o governo dos Estados Unidos decidiu adiá-la, para avaliar as novas medidas e os planos do governo brasileiro para o combate à pirataria.

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush conversaram sobre o assunto em Brasília, em outubro, logo depois da Cúpula das Américas na Argentina. Lula mencionou, na ocasião, os esforços das autoridades brasileiras para o combate às falsificações e ao contrabando.

"A decisão do governo americano reflete o nível positivo do diálogo e o grau de cooperação alcançado entre os dois países, bem como o reconhecimento do notório respeito e da proteção da propriedade intelectual no Brasil", segundo uma nota divulgada pelo Itamaraty. Robert Portman havia telefonado ao chanceler Celso Amorim para comunicar a decisão de seu governo.

Os Estados Unidos estão "muito satisfeitos" com o resultado das investigações, disse o porta-voz do USTR, Stephen Norton. "Mas não estamos assumindo que a pirataria no Brasil tenha acabado", acrescentou. A conclusão feliz desse episódio não dispensa as autoridades brasileiras, naturalmente, de ampliar e aprofundar o trabalho de proteção à propriedade intelectual, não por causa das pressões americanas, mas porque isso atende aos interesses do País. Uma política séria de marcas, patentes e direitos autorais é um dos indícios de maturidade econômica.

Outra ressalva é igualmente importante. No ano passado, as exportações beneficiadas pelo SGP corresponderam a cerca de 14% das vendas ao mercado americano. Desfrutar dessa vantagem é muito bom, mas o SGP é uma concessão unilateral e, portanto, essencialmente insegura. O País não pode ficar por tempo indefinido na dependência de benefícios desse tipo, até porque seu objetivo é deixar a condição de economia em desenvolvimento.

Sem deixar de aproveitar o SGP enquanto for possível, o Brasil deve empenhar-se na busca de acordos com os Estados Unidos e com outros grandes mercados, como a União Européia. O Mercosul deveria eleger como prioridades as negociações com esses parceiros, considerando com realismo as vantagens de novos entendimentos inter-regionais e bilaterais.

Essas vantagens ficam mais óbvias quando se consideram os avanços de competidores como a China, a Índia e outras economias seriamente empenhadas na conquista dos maiores mercados. Se o Mercosul for incapaz de promover a integração global de seus sócios, terá fracassado numa de suas metas originais mais importantes.