Título: Energia onerada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2006, Notas e Informações, p. A3

A geração de eletricidade das usinas concedidas no leilão de 16 de dezembro poderá ter custo adicional de US$ 1 bilhão por ano, avalia estudo feito pelo ex-ministro de Minas e Energia e senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA). E esse acréscimo será apenas um dos fatores de pressão sobre os custos da energia, mas não o mais importante. Com o leilão de dezembro, acentuou-se a mudança da matriz energética brasileira, ganhando importância os projetos termoelétricos que usam o gás como combustível, que geram energia mais cara do que as usinas hidrelétricas. Ocorre que, como não há disponibilidade de gás para atender a esses projetos, as termoelétricas terão de ser movidas a óleo combustível, que custa mais.

O aumento dos custos terá de ser suportado pelos consumidores ou pela Petrobrás, que controla as usinas térmicas. Como o governo não quer que tarifas mais altas pressionem os índices de preços, Tourinho acredita que o prejuízo ficará com a Petrobrás, o que reduziria os lucros da empresa, prejudicando tanto a União, como controladora, como os acionistas minoritários. A estatal, em resumo, teria de pagar um preço alto por ter obtido as concessões de termoelétricas, em vez de se beneficiar com a possibilidade de pôr em funcionamento usinas ociosas.

O ônus apontado pelo ex-ministro acirra a discordância entre o governo e o setor privado quanto à avaliação dos resultados do leilão.

A política energética do governo Lula tem pouca transparência. Ainda que ocorra o atendimento da demanda até o final desta década, como dizem as autoridades, a oferta dependerá de insumos mais caros. A solução alvitrada seria a da retomada da ênfase nos grandes projetos hidrelétricos, como o do Rio Madeira, que se tornou a menina dos olhos de altos executivos do setor estatal de energia.

O governo tem dito que cumpriu à risca as regras do leilão de energia nova. Mas isto não basta para resolver o problema da oferta de energia, com tarifas razoáveis, como defende o MME. As autoridades argumentam que só foram licitadas as termoelétricas movidas a gás natural que têm garantido o suprimento do insumo ou que podem se transformar em usinas bicombustíveis, movidas tanto a gás como a óleo combustível.

O que ficou assegurado, na verdade, foram tarifas mais altas. Não basta que o Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, passe a fornecer de 8 milhões a 9 milhões de m3/dia de gás natural, a partir do segundo semestre de 2008, como promete a Petrobrás. Já se sabe que não haverá gás em quantidade suficiente para abastecer o mercado interno até 2010, a menos que seja substancialmente aumentada a importação de gás da Bolívia, bem como a capacidade de transporte do Gasoduto Bolívia-Brasil.

Mas é improvável que o governo de Evo Morales deixe de exigir preços mais elevados pelo gás, pelo menos enquanto não sofrer a competição do gás da Bacia de Santos, na quantidade demandada no País. Não se imagina que o equilíbrio entre a oferta e a procura de gás natural possa ocorrer antes de 2010 ou 2011.

O estudo indica que as termoelétricas licitadas demandarão 5,9 milhões de m3/dia se usarem gás natural ou o equivalente a 7,7 milhões de m3/dia, se operarem também com óleo combustível. Daí virá o ônus previsto por Tourinho, sem mencionar o eventual aumento do preço do gás importado.

Para equacionar o problema no longo prazo, alguns caminhos são conhecidos. O projeto da Lei do Gás, que está no Congresso, estabelece marcos regulatórios definidos que tornarão os investimentos mais seguros. Note-se que a Petrobrás não sairá prejudicada, pois é titular das principais jazidas descobertas nos últimos anos. Tourinho admite que a demanda de gás das termoelétricas poderá ser suprida quando entrar em operação o Campo de Mexilhão e for construído o Gasoduto Sudeste-Nordeste, que assegurará o suprimento da área mais problemática.

Mas, tanto na área do gás natural como na hidrelétrica, a questão central é atrair empresas privadas para a geração, com regras confiáveis e remuneração adequada.