Título: MEC dá R$ 2 mi para superdotados
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2006, Vida&, p. A15

Quem disse que só os maus alunos precisam de atenção? Pela primeira vez, os pequenos ¿gênios¿ ganharão tratamento especial do governo. O Ministério da Educação acaba de liberar perto de R$ 2 milhões para que, ainda neste semestre, cada Estado crie pelo menos um centro de apoio aos alunos superdotados das escolas públicas. A nova política se justifica. Especialistas estimam que até 5% da população tenha altas habilidades acadêmicas. Apesar do número considerável, muitos talentos se perdem pelo caminho por falta de incentivo. A maioria dos professores não está preparada para lidar com eles.

O Censo Escolar de 2004 apontou só 2.006 superdotados nas escolas públicas e particulares do País, o que não chega nem a 0,005% dos 43 milhões de alunos da educação básica regular (da 1ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio). Como são os colégios que respondem ao questionário, esse percentual ínfimo leva à conclusão de que os professores não conseguem sequer identificar um superdotado na sala de aula.

O superdotado é, em poucas palavras, uma pessoa que se destaca em alguma área de conhecimento (leia texto ao lado). Como sabe mais e aprende mais rapidamente que os colegas, esse aluno muitas vezes se desinteressa da escola. Professores e pais normalmente confundem com déficit de atenção e hiperatividade. O rótulo de gênio nem sempre serve porque ele pode ser brilhante numa única área e não ir tão bem nas outras. ¿É comum que ele mude de escola sem nem saber o motivo¿, explica a professora Valéria Sperandio Rangel, uma das coordenadoras do programa do MEC.

PROFESSORA REVOLTADA

Foi o que aconteceu com Giovanna Oliveira, então com 4 anos. Os pais eram sempre chamados na escola por causa do mau comportamento. ¿Toda semana tinha uma reclamação¿, lembra a mãe, Cláudia Abrantes Oliveira. ¿Certa vez ela ficou tão entediada que conseguiu mobilizar todos os coleguinhas e levá-los para o parque da escola. E isso foi no meio da aula. A professora ficou revoltada.¿

Com tantos problemas, a mãe decidiu tirá-la do colégio. Na nova escola, a menina passou por testes psicológicos. Foi então que Cláudia descobriu que tinha um pequeno talento em casa. Hoje com 9 anos, Giovanna se prepara para começar a 4ª série. Está um ano adiantada porque não precisou fazer a 1ª série. Não estuda para as provas ¿ para ela, basta prestar atenção nas aulas. No ano passado, a menor nota foi 8.Suas amigas são mais velhas, a maioria na faixa dos 12 anos. Já leu clássicos como Robin Hood e 20 Mil Léguas Submarinas, algo incomum para uma menina que acaba de completar 9 anos. ¿Tenho colegas que vão à biblioteca e pegam livrinhos de seis páginas. Eu não, gosto de ler coisas que me acrescentem algo¿, diz ela.

MATERIAL E TRANSPORTE

A primeira tarefa dos núcleos de superdotação nos Estados será ensinar os professores a identificar esse aluno. ¿Alguns deles gostam do aluno que faz muitas perguntas. Mas a maioria não. Muitos professores se sentem ameaçados, desafiados, acham que o estudante está competindo com eles¿, diz a psicóloga Angela Virgolim, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação.

Os núcleos também atenderão os pais e os próprios superdotados. Identificados na escola, os alunos serão encaminhados para esses locais para fazer cursos que estimulem seu potencial. Quem tem facilidade com números, por exemplo, poderá fazer um curso avançado de matemática ¿ algo que a família de um estudante de escola pública normalmente não poderia pagar.

Parte dos R$ 2 milhões chegou aos Estados na forma de cursos de capacitação e de materiais, como computadores e aparelhos de TV e DVD. No final do ano passado, o MEC reuniu em Brasília um professor de cada Estado para um curso intensivo de pedagogia para superdotados. Esses professores agora estão responsáveis por repassar os conhecimentos aos colegas. Depois dessa iniciativa do governo federal, o programa agora está nas mãos dos Estados.

Em Mato Grosso do Sul, o governo paga o material didático e até o transporte para que os alunos cheguem ao professor. O centro para superdotados, uma sala no prédio da Secretaria da Educação, em Campo Grande, tem pedagogos e psicólogos. ¿Um talento não identificado e não estimulado é um talento desperdiçado¿, diz a coordenadora, Márcia Nunes Benevides.