Título: Contratando operações `tapa-buraco¿
Autor: Gustavo Loyola
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

A rudimentar operação "tapa-buraco" nas estradas federais iniciada este mês pelo governo federal é uma evidência visível da péssima qualidade do gasto público no Brasil. Lamentavelmente, uma situação que já era ruim se agravou ainda mais no governo Lula, cuja preferência tem sido pela expansão das despesas correntes, em desfavor dos gastos de custeio. A mãe de todas as tragédias fiscais no Brasil se chama Constituição de 1988. Os constituintes foram pródigos na criação de obrigações para o Estado sem levar em consideração os custos derivados dessa prodigalidade. O resultado foi o aumento expressivo das despesas públicas, principalmente as de natureza previdenciária e assistencial, o que reduziu drasticamente o espaço para a realização de investimentos públicos e obrigou à elevação da carga tributária a níveis inéditos em países de desenvolvimento relativo semelhante ao do Brasil.

Não bastasse a prodigalidade com o bolso alheio, os constituintes alargaram o uso das vinculações de receitas orçamentárias, criando porcentuais mínimos de aplicação em determinados tipo de despesa. As vinculações, que foram aumentadas em emendas constitucionais subseqüentes, são uma importante fonte de perda de qualidade do gasto público, já que a utilização automática de verbas orçamentárias em determinadas rubricas nem sempre atende às reais necessidades da sociedade em cada exercício orçamentário.

Desse modo, existe estruturalmente uma tendência de piora do gasto no Brasil desde a promulgação da Carta de 1988. Essa trajetória, desgraçadamente, não foi ainda revertida, mesmo após a aprovação de algumas importantes reformas pelo Congresso Nacional. Não apenas tais reformas foram claramente insuficientes, como também iniciativas e decisões dos três Poderes têm contribuído para realçar ainda mais a malignidade da Constituição no que concerne à qualidade do gasto público.

O governo Lula é um exemplo de como decisões equivocadas estão transformando em péssimo o que já era ruim em matéria de gasto público. A repercussão imediata de tais decisões tem sido relativamente pequena, já que elas geralmente não afetam, no curto prazo, o resultado primário, variável, cuja percepção pelos agentes econômicos é mais aguda. Porém, ao longo do tempo, os sucessivos erros podem até inviabilizar a obtenção do superávit primário necessário para assegurar a manutenção de uma trajetória sadia do endividamento público, o que eventualmente acarretaria sérias dificuldades macroeconômicas.

A atual discussão sobre o salário mínimo ilustra bem esse ponto. Tudo indica que seu novo valor deve ficar próximo dos R$ 350, com conseqüências desastrosas para as contas públicas ao longo dos próximos anos. Dada a vinculação dos gastos com previdência e assistência social com o salário mínimo, aumentos reais como esse podem desfazer, com uma "canetada", boa parte dos ganhos penosamente obtidos no último esforço de reforma da Previdência. Estima-se que os cerca de R$ 30 a mais no mínimo, correspondentes à parcela de aumento real, possam contribuir para aumentar em aproximadamente R$ 5,6 bilhões as despesas anuais do governo federal com previdência e assistência social.

Ao contrário do mau uso de recursos com a operação "tapa-buraco", o aumento real do salário mínimo, num ambiente de inflação baixa, continuará afetando recorrentemente as contas públicas no futuro, diminuindo ainda mais o espaço para a melhoria qualitativa dos gastos do governo. Desse modo, é difícil encontrar justificativa para a concessão de um aumento do salário mínimo bem acima da inflação, exceto se a intenção for meramente fazer um agrado eleitoreiro.

O péssimo estado das rodovias brasileiras se deve principalmente à redução dos investimentos públicos nas últimas décadas, por força dos problemas de rigidez do gasto público introduzidos pela Constituição de 1988. Ora, o governo federal, ao mesmo tempo que deslancha uma operação "tapa-buraco" de eficácia duvidosa, está "contratando" futuras operações da mesma natureza, ao aquiescer com um aumento do salário mínimo que terá efeitos negativos sobre a capacidade futura de investimento do setor público em infra-estrutura.