Título: Parceria de US$ 240 milhões anima retorno de Serra Pelada
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Economia & Negócios, p. B4

Garimpeiros aguardam licença para vender direitos sobre mina para a empresa americana Phoenix Gems

CURIONÓPOLIS, PA - "22 de maio de 1980". Pergunte a qualquer garimpeiro de Serra Pelada quando ele chegou à mítica mina de ouro, no Sul do Pará, e ele, como faz Antônio Francisco da Silva, 65 anos, lhe dará uma resposta com dia, mês e ano. Na vila pobre, mas não miserável, à beira do imenso buraco cavado por dezenas de milhares de garimpeiros, ninguém se esquece do ano mágico de 1980, quando a descoberta fortuita de ouro no local desencadeou uma alucinada corrida de todos os cantos do Brasil em busca da fortuna instantânea. Passados 25 anos, o buraco virou um lago e muitos garimpeiros ainda moram na pequena vila de casas e barracos de madeira na área rural do município de Curionópolis. Na faixa de 50 a 70 anos, eles sobrevivem de atividades como gerir biroscas, alugar quartos, criar umas poucas cabeças de gado ou garimpar numa escala muitíssimo mais modesta. Diferentemente dos primeiros anos da década de 80, quando praticamente só se aproveitavam as pepitas, eles agora se submetem ao trabalhoso processo de extração do ouro pulverizado na terra, em volumes que seriam considerados desprezíveis na fase inicial. "Dá para sobreviver", diz Antônio Trajino Bento, 51 anos, que chegou a Serra Pelada em 28 de março de 1980.

Hoje, esses velhos garimpeiros aguardam com ansiedade o que pode vir a ser a segunda grande tacada das suas vidas: a obtenção definitiva da licença minerária do buraco e de suas imediações pela Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), último passo da transação pela qual 32 mil garimpeiros venderão os direitos de exploração para um consórcio de investidores estrangeiros liderados pela empresa americana Phoenix Gems, por US$ 240 milhões e mais 40% das receitas futuras.

Durante muitos anos, os garimpeiros de Serra Pelada disputaram o direito de exploração dos 100 hectares onde está Serra Pelada com a Companhia Vale do Rio Doce, já que o terreno está quase todo dentro dos 10 mil hectares de concessão da empresa, e que incluem as minas de ferro de Carajás.

"O projeto é mais do que viável", diz o americano Brent Smith, presidente da Phoenix Gems Brasil, a filial já aberta no País para tocar o investimento. A expectativa do consórcio é extrair, de forma mecanizada, mais de 10 de toneladas de ouro por ano de Serra Pelada. Além dos US$ 240 milhões, que serão o preço pago à Coomigasp para explorar Serra Pelada e se apropriar de 60% das receitas, o consórcio da Phoenix Gems deve aplicar mais US$ 60 milhões no projeto de mineração propriamente dito.

Segundo o acordo celebrado entre a Coomigasp e a Phoenix Gems ,que ainda tem complicadores e não é reconhecido pelo governo (ver reportagens abaixo e na página B-5), o consórcio estrangeiro fará um adiantamento de US$ 40 milhões pelo direito de explorar as chamadas "montoeiras" em Serra Pelada. As montoeiras são o acúmulo de terra retirado do buraco, que contém ouro pulverizado.

MUITO METAL

Hoje, segundo Sebastião Curió, prefeito de Curionópolis, há uma estimativa de que as montoeiras contenham 47 toneladas de ouro. Curió, coronel aposentado, é um personagem lendário de Serra Pelada, tendo sido interventor do governo federal na área nos anos iniciais do garimpo, na década de 80.

Presidente de honra da Coomigasp, Curió explica que a vila está precisamente em cima da principal montoeira e será removida.

A idéia inicial da Coomigasp é ratear os US$ 40 milhões entre os associados. Os restantes US$ 200 milhões serão aplicados na construção de uma nova vila, com 10 mil casas, e em projetos de infra-estrutura social, como hospital, escola, etc. Josimar Elízio Barbosa, presidente da Coomigasp, diz que o projeto deve criar mil empregos diretos e mil indiretos em Serra Pelada e no município de Curionópolis como um todo.

A parte principal da exploração mecanizada do ouro se dará no imenso buraco cavado pelos garimpeiros, que hoje se transformou num lago cuja superfície tem 500 metros de extensão por 300 de largura. Os números sobre a profundidade do lago são controversos, variando de 100 a 300 metros.

O certo, porém, é que grande parte dele é composta de uma camada de lama - as estimativas é que tenha de 70 a mais de 100 metros de profundidade -, onde se calcula que haja outras 6 toneladas de ouro. Nas galerias subterrâneas ainda não exploradas da mina propriamente dita, segundo Curió, pode haver de 300 a 500 toneladas de ouro, de acordo com projeções que teriam sido feitas por empresas interessadas no negócio.

Há uma expectativa entre os garimpeiros de que em fevereiro a licença minerária será concedida à Coomigasp, com uma visita do presidente Lula a Serra Pelada. Mas dificilmente esse prazo se cumprirá.