Título: Gaúchos buscam opções para a soja
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Economia & Negócios, p. B8

Quebra da safra, com a estiagem de 2005, leva agricultor a investir em girassol, milho e gado leiteiro

IBIRUBÁ, RS - Animados com as boas perspectivas climáticas para a próxima safra, os agricultores gaúchos ainda sofrem as conseqüências da estiagem de 2005, na forma de dívidas que só serão quitadas em 2008 e de falta de dinheiro para a lavoura deste ano. Ao mesmo tempo, se viram forçados a recuar do rumo da monocultura da soja, que estavam tomando, para voltar a buscar a diversificação como segurança para eventuais desastres climáticos. É nessas ocasiões, quando uma cultura naufraga, que a outra, com colheita em época diferente, pode garantir um rendimento mínimo.

Três mudanças visíveis neste início de ano são a retomada da criação de gado leiteiro, o avanço do plantio do milho e a aposta na cultura do girassol. Elas não alteram significativamente o mapa da produção estadual, mas indicam um desejo de ter alternativas. "A diversificação é uma lição que ficou da estiagem", constata o engenheiro agrônomo Fernando Müller, da Cooperativa Agrícola Mista Regional General Osório (Cotribá), de Ibirubá.

Um cálculo feito pelo presidente da Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, indica que as dívidas, contraídas com bancos, cooperativas, indústria de máquinas e cerealistas e roladas no fim da safra passada, só serão quitadas em três anos, desde que as próximas colheitas sejam boas. Elas resultam de perdas próximas de 70% nas lavouras de soja e milho, as principais do Estado.

O tempo tem ajudado, com exceção de algumas regiões isoladas que enfrentam nova estiagem. Mas isso não será suficiente para uma colheita plena em 2006. Descapitalizados, os produtores compraram 24% menos fertilizantes este ano. O resultado da falta de investimento deve aparecer na colheita, com provável produtividade inferior aos volumes considerados ideais.

GIRASSOL

No rumo da diversificação, o girassol surge como a cultura do momento, tanto pela demanda atual, da indústria de óleos comestíveis, como pela futura, do biodiesel. Segundo as cooperativas da região, a quantidade de óleo no girassol chega a 42%, enquanto na soja não passa de 18%. Incentivados por cooperativas como a Cotribá e a Alto Uruguai (Cotrimaio), que fornecem os insumos e garantem a compra ao vantajoso preço de R$ 35 a saca até o limite do que foi aplicado no campo, os agricultores começaram a apostar na nova opção, que se torna uma alternativa ou complemento para a safra de trigo e não disputa espaço com a soja.

Os irmãos José Roberto e Sérgio Bronzatti, de Cruz Alta, colheram 900 sacas de girassol e já estão vendo a soja nascer entre alguns capítulos secos da cultura anterior na mesma área de 30 hectares. "Esperamos que a rotatividade melhore também o desempenho da lavoura de soja", diz José Roberto.

O engenheiro agrônomo João Carlos Loro, da Cotrimaio, confirma: por ter raízes mais profundas, o girassol puxa nutrientes para perto da superfície do solo e a cultura posterior, no caso a soja, se beneficia.

Outros agricultores que fizeram a experiência gostaram. "Se tivéssemos plantado o dobro, teria sido melhor", diz Nereu Bellini, após cultivar 22 hectares com o pai, Dorival, e o irmão Luciano. A família perdeu 75% da soja do ano passado, mas conseguiu sair da crise sem dívidas porque a produção leiteira garantiu a renda necessária para os críticos meses de agosto e setembro.

FRUSTRAÇÃO

Em Ibirubá, Carlos Alberto Dickel, 42 anos, se prepara para colher a pequena lavoura de 3 hectares de girassol amadurecido, algo que os vizinhos já fizeram. Dono de uma área de 27 hectares, ele não esconde a pressa em diversificar a propriedade. Além do dinheiro do girassol, espera a liberação de um crédito de R$ 7,2 mil para comprar 6 vacas holandesas. Acredita que o cultivo de diferentes produtos, associado à criação e ordenha de animais, pode dar a renda para o sustento dele, da mulher e das quatro crianças. "Só com soja ninguém mais sobrevive na pequena propriedade rural", define.

A situação e os planos de Dickel resumem as transformações ocorridas e em andamento nos campos gaúchos. Em 2003, animado com a soja, cotada em mais de R$ 50 a saca de 60 quilos, e desiludido com o preço do leite, ele vendeu seu pequeno rebanho e apostou tudo na oleaginosa. Em 2005, após duas safras quebradas por estiagens, recebendo menos de R$ 25 pela saco do que havia sobrado de seu produto e sem outra fonte de renda, ele se arrependeu. Resolveu voltar ao leite e testar uma cultura tida como promissora, a do girassol. Quer ter alternativas, mesmo com épocas de remuneração baixa, para o caso de uma cultura fracassar.

Casos semelhantes existem aos milhares no Rio Grande do Sul. Eles revelam que a lição da diversificação foi aprendida como uma necessidade para evitar perdas totais em caso de intempérie climática, mas não indicam mudança na estrutura produtiva do Estado.

Na propriedade de Élio Donato, em Cruz Alta, as transformações também estão em curso. Como salvou apenas 30% da soja em 2005, ele não quis correr todo o risco de novo. Plantou 10 hectares de milho em agosto, que vai colher em fevereiro, como cultura intermediária, para garantir uma renda antes da venda da soja, em maio.

Outro agricultor, Osvaldo Ferreira Botelho, de Ibirubá, ampliou a área de milho de 30% para 50% da lavoura de 120 hectares - o restante é reservado à soja - e está satisfeito com a perspectiva de colher 6 mil quilos por hectare, quase o dobro da média esperada no Estado, graças à boa adubação. "A mudança do perfil é resultado da estiagem", justifica. Donato e Botelho dizem que o girassol estará na composição da lavoura da próxima temporada.

Dados da Emater/RS mostram que a área de arroz caiu 4,1%, de 1,04 milhão para 1 milhão de hectares; a de soja, 3,7%, de 4,17 milhões para 4,02 milhões de hectares; a de trigo, 22,3%, de 1,1 milhão para 874 mil hectares, enquanto a do milho subiu 15,3%, de 1,22 milhão para 1,39 milhão de hectares.

O agrônomo Gianfranco Bratta, acostumado a acompanhar as alterações do plantio pela Emater, não vincula as mudanças à estiagem passada, mas constata uma inversão de tendência. A expansão da soja, acelerada desde 2000, parece ter chegado ao fim e o milho, que passou anos perdendo espaço, recupera terreno.

Para o presidente da Cooperativa Agropecuária Alto Uruguai, de Três de Maio, Antônio Wünsch, a diversificação passou a ser uma tendência depois que o agricultor que só plantava soja percebeu que vizinhos com outros produtos escaparam com menos prejuízos da estiagem.