Título: Raquitismo na economia e no diagnóstico
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2006, Espaço Aberto, p. 0

No Brasil, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo Rato, ganhou manchetes ao afirmar que nosso país cresce menos do que pode. Ora, jornais apreciam o insólito em suas notícias e, se essa obviedade chegou às manchetes, talvez seja por falta de novidades nesta época de férias de muitos que geram notícias no País. Outra razão do inusitado alcance da notícia é que o governo há tempos segue um carnaval fora de época cantando um samba-enredo ilusionista em que afirma que a economia vai bem. Isso em cima de carro alegórico à moda antiga, empurrado por analistas que se entusiasmam pelo que cantam as autoridades governamentais, e não por esmiuçar o que elas apregoam em suas versões distorcidas. Nesse quadro, o que disse o chefão do FMI chega a ser insólito e merecedor de destaque, pois vem na contramão desse coro.

Tenho transitado na mesma via, mas vivemos num país onde sapos de fora não só aqui roncam, mas costumam ser mais ouvidos que os de dentro. Como o que interessa é o som, é bom que o sr. Rodrigo Rato tenha vindo com seu coaxar, ainda que só tenha de aproveitável o diagnóstico que gerou manchetes. No seu receituário, vi recomendações tradicionais da instituição que dirige, como mais aperto fiscal e autonomia do Banco Central (BC). Ora, mais aperto fiscal com juros altos não estimularia o crescimento. Além disso, minha convicção quanto à autonomia do BC tem sido abalada pelo risco, que ora se manifesta, de lá se encastelar uma gestão que segue a ferro e fogo uma política monetária mal assentada em seus fundamentos científicos e em seus resultados. Em particular, o BC superestima o efeito da taxa de juros relativamente à de câmbio na queda da inflação no ano passado. É bom lembrar que o FMI é um especialista em ajustamento, e não em crescimento econômico. Em Washington, quem sabe deste último é o Banco Mundial, com seu enorme acervo de experiências e pesquisas sobre o assunto, mas mesmo assim sem ter receita pronta e adequada a casos específicos como o nosso. O FMI cuida de doentes em estado emergencial, que passam por sua enfermaria e/ou por sua UTI. Depois de tratadas suas crises de balanço de pagamentos, em geral acompanhadas de distúrbios fiscais agudos, são liberados para cuidar de seus outros males por outros especialistas e instituições.

Ora, na economia, o mal crônico do Brasil é o raquitismo.

Ainda adolescente - ou emergente, no jargão econômico -, não cresce como poderia e deveria crescer, e que isso ocorra não é surpresa. O diagnóstico macroeconômico mostra baixas taxas de investimento, este o motor do crescimento, pois aumenta a capacidade produtiva e gera renda. Uma das principais causas dessas baixas taxas é que nosso governo federal arrecada muito do setor privado, que investe mais que ele, e prefere gastar em coisas que terminam em 'al', como social, salarial, mensal(ão), sindical, banal, superficial, etc. Para a economia crescer ele deveria gastar nas que terminam em 'mento', como investimento, cimento, asfaltamento, empreendimento e outras. No momento, em lugar de recapeamento e mais asfaltamento de estradas, o governo optou pelo superficial, um tapa-buracos. Em matéria de preços macroeconômicos, dos quatro conjuntos deles (juros, câmbio, salários e preços em geral), dois estão claramente fora do lugar, o câmbio muito baixo e os juros muito altos. Com isso, os que tomam decisões econômicas são estimulados a fazê-lo de forma contraproducente para o crescimento do País, como importar e não exportar, e viver de juros, e não de investimentos produtivos. Estes dificilmente valem a pena com juros tão altos, que também desencorajam o consumo das famílias, enquanto financiado.

O desestímulo dos juros e do câmbio alcança, assim, a microeconomia, na qual atuam os empresários e os consumidores. Aí há outros desestímulos aos investimentos, como os impostos elevados e a lentidão da burocracia do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, este agora também se superando em ineficácia e falta de ética, autoconvocado extraordinariamente e remuneradamente para continuar as férias permanentes de muitos de seus membros. Assim, não é surpreendente que neste início de 2006 o balanço seja de mais um ano anterior de fraco desempenho (um dos piores entre os países emergentes), enquanto o governo se ilude e engana com as muitas virtudes que enxerga na economia. No máximo, algumas poderiam ser contabilizadas como reveladoras de uma situação menos ruim, pois, de fato, já estivemos pior, em particular quando caímos nas mãos do FMI, do qual agora estamos comemorando a saída. Ele merece um muito obrigado pela colaboração, mas nosso crescimento lento não é um problema da 'expertise' dessa organização. Sem desprezar a ajuda de outras, teremos que resolvê-los com pacotes essencialmente 'made in Brazil'.

Este ano de eleições presidenciais será particularmente adequado para retomar a discussão da temática do crescimento. Complexa como é, enseja muitos diagnósticos e diferentes receitas, mas um avanço significativo será alcançado se for dissipada essa perigosa crença de que o País está bem, apregoada pelas autoridades do governo e por seus seguidores fora dele. Ainda ontem foi anunciado mais um resultado que confirma esse mau estado, o fraquíssimo resultado da indústria em novembro de 2005, reduzindo a expectativa desse pessoal de uma atividade econômica mais forte no último trimestre do ano passado. Ainda na segunda-feira o presidente do BC, Henrique Meirelles, disseminava essa crença em entrevista. Portanto, para o Brasil sair do raquitismo econômico, o primeiro passo deve ser esse de perceber o mal e a necessidade de seu tratamento, sem iludir o paciente com diagnósticos também intelectualmente raquíticos e sem sustentação na realidade.