Título: Gil bem que tenta, mas crise no ministério não termina
Autor: Beatriz Coelho Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2006, Nacional, p. A8

Acusação de Gullar deu início a bate-bocas e atropelos

No rastro da crise política que abateu o Planalto, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, tem vivido seus dias mais difíceis no cargo. Após atritos com amigos, artistas e intelectuais, Gil veio a público nesta semana cobrar mais trabalho na convocação extraordinária. Soou como um desabafo, após a sucessão de atropelos, bate-bocas e farpas detonada no fim de 2005 pelo poeta Ferreira Gullar. E, pelo tom da entrevista de ontem do músico Caetano Veloso, o nó não será desatado tão cedo. No dia 21 de dezembro, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Gullar atacou a ¿centralização¿ da política de Gil. Dias depois, veio a reação do secretário de Políticas Culturais do Minc, Sérgio Sá Leitão, acusando o poeta de defender ¿finados regimes stalinistas¿. Gullar revidou, comentando que a declaração soava como um comunicado do extinto Serviço Nacional de Informação (SNI).

Gullar deu por encerrada a polêmica. Mas ela só começava. Em apoio ao poeta, foi enviado ao presidente Lula e a Gil um manifesto endossado por nomes de peso, como a atriz Fernanda Montenegro, o arquiteto Oscar Niemeyer, o escritor João Ubaldo Ribeiro e Caetano.

O próprio Caetano jogou mais gasolina na fogueira na semana passada, quando, em carta aberta, alertou que o ministério do ex-parceiro Gil estaria a ¿um passo do totalitarismo¿.

CABEÇA

O ministro não deixou por menos: ¿Peçam minha cabeça ao presidente¿, reagiu. Disse que Sá Leitão não fez nada em desacordo com as suas orientações: ¿O que ele fez de errado? Por que não pedem a minha cabeça, em vez de pedir a dele?¿ ¿Digam, apontem, o que é totalitarismo no ministério? Totalitarismo? É vago, eu não sei o que é, me digam, eu também preciso saber¿, afirmou o ministro.

Apesar do tom firme, Gil defendeu o direito da sociedade de criticar o ministério. E acrescentou que levar o caso adiante seria ¿acirrar confronto artificial¿. Ponderou que Caetano estava ¿exercendo papel de cidadão¿. ¿Vejo com bons olhos, (Caetano) não é como outros, que fazem críticas e ao mesmo tempo dizem que não acompanham o trabalho¿, disse, numa referência indireta a Gullar.

Na sexta-feira, Gullar também quis pôr panos quentes no episódio, dizendo-se surpreso com a permanência da polêmica no noticiário. Voltou a criticar Sá Leitão, mas afagou Gil: ¿Não me passou pela cabeça brigar pessoalmente com Gil, que conheço desde a sua chegada ao Rio, nos anos 60.¿

ANCINAV

Por trás da alta temperatura no meio artístico, pode estar o acalorado debate já travado nos bastidores em torno da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), que expira neste ano. O governo precisa mandar novo projeto para o Congresso e o molde não está definido.

O tema é altamente inflamável. Já em agosto de 2004, os termos de criação da agência desagradaram ao setor do audiovisual. O cineasta e crítico Arnaldo Jabor chegou a dizer que o governo Lula era ¿liberal de dia e stalinista à noite¿.