Título: Debate sobre a política monetária
Autor: Gino Olivares
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

No dia 6 de outubro de 1979, o Federal Open Market Committee (Fomc) do Federal Reserve americano (Fed), sob o comando de Paul Volcker, iniciou uma política de forte aperto monetário destinada a acabar com a ameaça inflacionária. A inflação estava na casa dos 9% ao ano, mas muita gente achava que isso não era o principal problema americano e muitos achavam também, como conseqüência do descrédito do Fomc por atuações anteriores, que essa política não seria mantida. Por exemplo, três dias após a decisão do Fomc, um prestigioso consultor econômico de época, de nome Alan Greenspan, manifestava no Wall Street Journal suas dúvidas em relação à convicção das autoridades monetárias de levar adiante essa política, reconhecendo implicitamente a sua falta de confiança nas medidas adotadas. Os anos seguintes foram sem dúvida difíceis para os Estados Unidos, que viveram a sua maior recessão desde os anos 30. Volcker e os demais membros do Fomc foram acusados no Congresso de "destruir o sonho americano". Mas a inflação foi derrotada e, quando Greenspan assumiu o lugar do Volcker, em 1987, o fantasma tinha sido deixado para trás (a inflação estava estabilizada em torno de 4% ao ano) e a economia americana estava prestes a entrar numa trajetória de expansão sem precedentes.

Esses anos todos mudaram a opinião de Greenspan sobre a política que criticou em 1979. Ele define Volcker como o pai da vitalidade econômica americana das últimas duas décadas e reconhece que o seu trabalho foi facilitado pela perseverança e pelo sucesso da política implementada pelo seu antecessor.

Mas por que falar agora sobre esse episódio? Porque dele é possível extrair algumas lições que podem ser de grande utilidade no atual debate sobre política monetária.

Uma primeira lição é que acabar com a inflação é uma tarefa ingrata porque os custos são pagos no início e os benefícios só aparecem depois. O Fomc comandado por Volcker tinha um objetivo de longo prazo de enorme valor: a estabilidade de preços, que, ao vir naturalmente associada a níveis menores de taxas de juros, permitiria o crescimento da produtividade e a melhora das condições de vida da população.

As transcrições das reuniões do Fomc mostram a convicção de Volcker sobre a necessidade de convencer as pessoas dos ganhos de longo prazo proporcionados pela estabilidade de preços, mesmo reconhecendo que no curto prazo o combate à inflação possa ocasionar custos em termos de atividade. Acreditamos que motivação similar norteia as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). Isso ficou claro, por exemplo, na ata da reunião de dezembro, quando, ao justificar a decisão de diminuir a taxa Selic em 50 pontos-base, o comitê argumentou que esse ritmo de cortes de juros "contribuiria para aumentar a magnitude do ajuste total a ser implementado".

A segunda lição é que o custo é função da credibilidade da política. A política desinflacionária de Volcker teve um custo elevado em termos de produto precisamente porque era percebida como não-crível, e essa falta de credibilidade foi conseqüência de todas as tentativas frustradas que a antecederam e da falta de apoio das outras políticas do governo. A história aqui não é diferente. Se a política fosse crível, o custo em termos de produto teria sido mínimo e, principalmente, a inflação teria fechado o ano na meta. O Fed de Volcker era uma instituição independente, mas, mesmo assim, se tinha a percepção de que estava sujeita a imensas pressões por parte do governo. No nosso caso, por causa de uma institucionalidade ainda precária, o Banco Central (BC) é percebido como objeto de pressões talvez maiores, o que acaba aumentando os custos das suas decisões. Não que ele não consiga fazer o que considera correto, mas as suas decisões acabam tendo um custo maior para a economia do que seria caso as pressões fossem menores.

A terceira lição é em relação ao peso que a autoridade monetária dá ao combate à inflação. Critica-se o BC por outorgar um peso excessivo à inflação em detrimento da atividade econômica. Aqui há três comentários a fazer. Primeiro: o BC não pode ser criticado por ser mais avesso à inflação do que o resto da sociedade, pois isso é próprio da função dele. Segundo: é um erro entender o regime de metas de inflação como um arcabouço que desconsidera a atividade econômica. O terceiro refere-se à sugestão para o BC se espelhar no Fed e seu mandato dual de perseguir não só a estabilidade de preços, como também a maximização do emprego. A gestão de Paul Volcker deveria ser julgada pelos custos da desinflação ou por ter posto os Estados Unidos na rota do crescimento sustentado sem inflação? No curto prazo, a desinflação teve um custo alto, mas desde uma perspectiva de longo prazo é claro que Volcker cumpriu seu mandato de trabalhar pela maximização do emprego com estabilidade de preços. A nossa visão é de que, no futuro, deveremos observar desenvolvimentos semelhantes no Brasil. Erra quem pensa que o BC pode entregar mais crescimento, e não o faz porque não quer. Na verdade, ele não o faz porque não pode. Tudo o que o BC pode fazer pelo crescimento o faz, via sua defesa da estabilidade de preços.

Em resumo, não podemos desconsiderar as reclamações relacionadas aos efeitos de curto prazo do combate à inflação, mas na nossa opinião não é correto afirmar que tais efeitos podem ser considerados como prova de que o BC está seguindo a estratégia errada. Derrotar a inflação é uma tarefa que demanda sacrifícios, principalmente num país com um passado inflacionário como o brasileiro, mas a experiência dos Estados Unidos mostra claramente que os benefícios de longo prazo superam amplamente os custos incorridos. As perspectivas para a inflação nos próximos dois anos parecem sugerir que esse futuro promissor está próximo.