Título: Razões para cortar juros
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Já não pode haver dúvida sobre a acomodação da economia brasileira no final do ano passado. A tendência é confirmada pelo desempenho do comércio varejista em novembro, positivo mas fraco, e pela redução do emprego industrial naquele mês, divulgados na terça-feira pelo IBGE. Na semana passada, um relatório havia mostrado a acomodação da indústria, com a produção de novembro apenas 0,6% maior que a de outubro. Ainda na terça-feira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou sua pesquisa sobre o desempenho do setor em novembro. As vendas foram 3,84% maiores que as do mês anterior, descontada a inflação, e com isso voltaram ao nível final do primeiro semestre. O uso da capacidade instalada, 80,8%, ficou 0,2 ponto porcentual abaixo do observado em outubro.

A atividade industrial pouco deve ter variado em dezembro, segundo o coordenador da Unidade de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco. Ele atribui o baixo dinamismo da produção aos juros ainda muito altos. Há espaço, argumenta, para uma redução de pelo menos 0,75 ponto de porcentagem na taxa básica (a Selic, atualmente 18%).

O Comitê de Política Monetária (Copom) começou nesta terça-feira a reunião de dois dias sobre a política de juros. O primeiro dia é dedicado a um exame da conjuntura e os últimos dados do IBGE e da CNI foram com certeza acrescentados ao debate. No segundo dia sai a decisão sobre os juros. Há argumentos de sobra, com base nos últimos números da atividade econômica, para justificar um corte mais audacioso que o do fim do ano.

Os novos números de emprego e salário anunciados pelo IBGE mostram um dos aspectos mais preocupantes da acomodação industrial. Em novembro, o emprego foi 0,6% menor que o de outubro, descontados os fatores sazonais. De setembro para outubro já havia ocorrido uma queda.

O cenário também é pior que o do ano anterior, no segundo semestre. Na comparação entre os meses de 2004 e do ano passado, três quedas consecutivas foram registradas até novembro. De janeiro a novembro, o confronto ainda foi positivo, com o nível de emprego 1,2% mais alto nos 11 meses de 2005.

Em alguns casos, a evolução do emprego reflete claramente as condições do câmbio e do comércio exterior. No acumulado do ano, a maior redução de emprego, 11,6%, ocorreu no setor de calçados e artigos de couro, um dos mais afetados pela valorização do real. No mesmo período, o maior aumento de ocupação, 9,4%, foi registrado na indústria de meios de transporte, com bom desempenho, em 2005, no comércio exterior.

As vendas físicas do comércio varejista, em novembro, foram 0,26% maiores que as de outubro, descontadas as variações sazonais. Foi uma variação maior que a observada nos dois meses anteriores. Com esse resultado, as vendas mantiveram um avanço importante, 4,87%, quando comparadas com as de igual período de 2004. Em 12 meses, o crescimento observado chegou a 5,53%.

Mas foi, mesmo assim, um desempenho mensal modesto, explicável principalmente pelas operações financiadas. O volume de vendas de eletrodomésticos e móveis foi 3,56% maior que o de outubro. O de veículos, motos, partes e peças cresceu 3,66% no mesmo período. Os segmentos mais dependentes dos ganhos mensais dos consumidores tiveram resultados fracos. As vendas de roupas, tecidos e calçados haviam crescido 5,49% em setembro, mas diminuíram 3,43% em outubro e 0,02% em novembro. As vendas de super e hipermercados, alimentos, bebidas e fumo encolheram 0,52% de outubro para novembro.

Desde o ano anterior vinham ocorrendo ganhos de renda para os trabalhadores, mas a tendência parece ter sido interrompida no final de 2005. Na indústria, a folha de pagamento foi 3,7% maior de janeiro a novembro do que no período correspondente de 2004, em termos reais. Ainda foi um resultado razoável, considerando-se o retrocesso observado no final do período, com redução de 1,6% de setembro para outubro e de 0,8% de outubro para novembro. O País ganhará, com certeza, se o Copom der atenção a esses dados.