Título: Na campanha chilena, candidatos prometem não mudar a economia
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2006, Internacional, p. A15

A socialista Bachelet e o conservador Piñera propõem apenas ajustes no modelo

SANTIAGO - Vença quem vencer o segundo turno das eleições presidenciais de domingo, no Chile, os chilenos têm pelo menos uma certeza: a economia do país não mudará de rota. O país cresce em ritmo acelerado, com base no modelo econômico de abertura da economia e investimentos pesados no setor de serviços. ¿Eleições aqui já não causam nenhuma turbulência na economia¿, diz ao Estado o professor de Ciências Sociais da Universidade Católica, David Palma. O Chile é um dos países que mais têm acordos de livre comércio. Não por coincidência, o crescimento de invejáveis 6% do PIB previsto para 2005 foi puxado, mais uma vez, pelas exportações. Estima-se que as vendas externas no ano passado foram da ordem de 39 bilhões de dólares, ou 35% do PIB chileno (para efeito de comparação, no Brasil o percentual foi de cerca de 15%). O sucesso de venda dos vinhos de padrão médio e alto, do salmão e das frutas chilenas é visível também nos supermercados brasileiros, mas o `petróleo¿ do país é mesmo o cobre, o principal item da pauta exportadora.

A fama do modelo chileno é tanta que chega a causar inveja em dirigentes de países da região. Em entrevista ao semanário Búsqueda na semana passada, o ministro da Economia do Uruguai, Danilo Astori, afirmou que seu modelo predileto é o chileno e, por isso, pretende assinar acordos de livre comércio com os Estados Unidos e a China.

No Chile, as discussões da campanha eleitoral ficam mesmo em propostas de ajustes desse modelo, recorrendo a temas como a criação de mais postos de emprego e redução do abismo social entre ricos e pobres, que realmente se ampliou nos últimos anos. Mas há que se ressaltar que essa ampliação não ocorreu porque os pobres ficaram mais pobres, mas sim porque os ricos ficaram muito mais ricos. Durante a campanha, a candidata socialista Michelle Bachelet declarou que esse crescimento da desigualdade não pode continuar, mas não apresentou nenhuma proposta palpável para reverter o quadro. Por seu lado, candidato centro-direitista da Renovação Nacional, Sebastián Piñera - milionário, acionista majoritário da companhia aérea Lan Chile, proprietário de emissoras de TV e de várias outras empresas -, prometeu criar um milhão de empregos, com a ampliação dos investimentos do governo no setor produtivo.

O número crescente de peruanos e bolivianos nas ruas de algumas cidades chilenas tem uma explicação numérica. Em 2004, a taxa de desemprego chilena era de 8,5% da população economicamente ativa - a mais baixa de toda a América do Sul. Entre 1998 e 2005, o PIB per capita dobrou, passando de US$ 6 mil para US$ 12 mil anuais. O da vizinha Bolívia foi de meros US$ 2.600 em 2004.

Com uma fórmula aparentemente tão bem sucedida há anos é de se perguntar por que o Chile já não exportou seu modelo econômico. Em comparação com o Uruguai, por exemplo - que tem uma população pequena e uma estrutura produtiva também baseada em produtos primários -, essa transposição não daria certo. Isso é o que diz o uruguaio Palma, da Universidade Católica do Chile. ¿Há uma diferença brutal na fórmula de bem-estar social , na administração política da economia e no grau de participação do Estado na atividade econômica¿, diz Palma.

Para o Brasil, a receita comercial chilena é pouco indicada porque a maior economia da América do Sul tem muito mais ramos em todos os setores. ¿É possível dizer que o Brasil poderia baixar o seu grau de proteção contra as importações, mas adotar uma tarifa como a chilena causaria uma quebradeira¿, diz Fábio Giambiagi, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Se na área externa o Chile tem pouco a ensinar ao Brasil, na questão do gerenciamento do Estado é diferente. O índice que mede a percepção de corrupção no Chile é o mais baixo da região. A qualidade da administração macroeconômica foi considerada uma das mais altas do planeta na última reunião do Fórum Econômico Mundial.

Se há uma palavra que se pode usar para descrever o sucesso da economia do Chile é pragmatismo. O milagre econômico chileno, na verdade, é muito menos ortodoxo do que parece. Durante a crise asiática, quando o governo teve de abrir mão dos planos de superávit primário e gastar, ele gastou. Controlou a turbulência e seguiu adiante. E a perspectiva para o futuro é boa, seja quem for o vencedor da eleição presidencial de domingo.

A cotação internacional do cobre aumentou 54% nos últimos 12 meses. Na terça-feira, atingiu um novo recorde histórico na Bolsa de Metais de Londres: US$ 2,13 por libra. E o contrato de fornecimento de cobre para a China, assinado no ano passado, é de 10 anos. Na contramão de todos os seus vizinhos do Mercosul, o Chile já assinou um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.