Título: Terapia-alvo ataca apenas tumor
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Vida&, p. A22

Nos próximos dois anos, serão lançadas no Brasil pelo menos 15 drogas que não atingem células sadias

Ao longo dos próximos dois anos, a indústria farmacêutica vai lançar no mercado brasileiro pelo menos 15 drogas contra o câncer. Em comum, elas têm a capacidade de atingir exclusivamente as células do tumor, o que preserva as demais, sadias. O tratamento é chamado pelos médicos de "terapia-alvo", a mais recente e promissora estratégia na luta contra o câncer. Até três anos atrás, as pessoas que descobriam um tumor só tinham três opções: retirá-lo em estágios iniciais numa cirurgia ou se submeter à quimioterapia e radioterapia ¿ tratamentos que não conseguem acabar com o câncer, mas controlam o crescimento do tumor e aumentam o tempo de vida do paciente.

Mas o tratamento tradicional com remédios tem efeitos colaterais extremamente desagradáveis. As drogas da quimioterapia, normalmente injetadas no sangue, atacam indiscriminadamente todas as células do organismo capazes de se dividir, o que inclui as células do sangue, do cabelo e da mucosa da boca e do intestino. Como resultado, o doente pode ter menos resistência a infecções, queda de cabelo, boca seca, vômitos, diarréia, cansaço constante e infertilidade. Os sintomas passam assim que o tratamento é suspenso.

MÍSSEIS INTELIGENTES

A esperança para os pacientes que sofriam com esses incômodos chegou com os avanços da biologia molecular. Os cientistas começaram a entender de que maneira as células cancerosas adquirem a incrível capacidade de não morrer, se multiplicar rápida e desordenadamente e atrair para si vasos sanguíneos ¿ que têm dupla função: alimentar o tumor com os nutrientes do sangue e levar as células cancerosas para outras partes do corpo, provocando a metástase.

A partir daí, puderam desenvolver drogas que agem como mísseis inteligentes. É um novo tipo de quimioterapia, um quarto tipo de tratamento. Em vez de atacar todas as células que se dividem, os medicamentes agem só nas do tumor ¿ provocando sua morte, detendo sua multiplicação ou impedindo a atração dos vasos sanguíneos.

"No século 21, a grande revolução no tratamento do câncer é a descoberta dos alvos moleculares", afirma o médico Sérgio Daniel Simon, coordenador do Departamento de Oncologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Para dar a dimensão da mudança, ele compara a antiga e a nova quimioterapia com os bombardeios das guerras.

"Na 2ª Guerra Mundial, não era possível separar alvos civis de alvos militares. Londres foi devastada. Já na invasão do Iraque, foi possível destruir o palácio de Saddam Hussein em Bagdá sem afetar nenhum alvo civil ao redor."

A lista das drogas que estão prestes a chegar ao mercado brasileiro é extensa. Para o câncer de pulmão, são aguardados o Tarceva e o Iressa. Contra o câncer de cólon, o Avastin e o Erbitux. Para o rim, o Nexavar e o Sutent. Para a leucemia, o Mylotarg e o Campath. A maioria deles tem indicação para mais de um tipo de câncer.

Embora ainda não estejam liberados oficialmente, muitos desses medicamentos já são usados no País, seja por hospitais de referência, seja por doentes que conseguiram na Justiça o direito de recebê-los do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outros remédios da "terapia-alvo" já são comercializados no Brasil, como o Herceptin (para câncer de mama), o Mabthera (certos tipos de linfoma) e o Glivec (leucemia mielóide crônica).

VIDA NORMAL

A professora Luci Camargo Storer, de 54 anos, passou pelo tratamento convencional contra a leucemia (doença maligna dos glóbulos brancos) antes de começar a tomar seus quatro comprimidos diários de Glivec. Durante nove meses, todos os dias, ela tinha de tomar uma injeção no Hospital do Câncer, em São Paulo. "Nesse período, eu não trabalhei. Tinha febre e aftas. Emagreci. Meu cabelo caiu. Não tinha disposição para nada. Só saía para ir ao hospital", ela lembra.

Agora Luci só vai ao hospital uma vez por mês, para pegar os comprimidos de Glivec. "Essa mudança de tratamento foi a melhor coisa para mim. Tenho vida normal. Não sinto nenhuma reação adversa. Se eu tivesse descoberto a leucemia dois anos antes, acho que não teria tido jeito."

Esses remédios começaram a ser desenvolvidos com o objetivo de tratar cânceres em estágio avançado. Mas cada vez mais são indicados também para tumores iniciais.

Na maioria das vezes, porém, a "terapia-alvo" não pode ser usada como tratamento único. Precisa ser combinada com quimioterapia tradicional e radioterapia. E tampouco representa a esperada cura do câncer.

"O importante é que os cânceres não são mais tratados de maneira igual. Agora, identificamos os fatores específicos de cada um e o tratamos sob medida", explica Vladmir Cordeiro de Lima, oncologista do Hospital do Câncer. "O câncer está se tornando cada vez mais uma doença crônica, como diabete ou pressão alta, mantida sob controle com remédios."

Além das 15 drogas que devem chegar aos pacientes brasileiros nos próximos dois anos, outras tantas estão a caminho. Segundo as multinacionais farmacêuticas, mais de 400 novos medicamentos estão sendo testados atualmente no mundo. É um grande avanço. Uma década atrás, não havia mais que dez sendo desenvolvidos.