Título: Um agitador no castelo de cartas
Autor: Dariush Zahedi e Omud Memarian
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Internacional, p. A21

Ao desafiar os inspetores internacionais e romper os lacres de suas instalações nucleares, o Irã parece procurar problemas. Mas os líderes ocidentais fariam bem em considerar o que a bravata do presidente Mahmoud Ahmadinejad significa de fato sobre a provável posição do Irã na região e nas conversações sobre armas nucleares, programadas para serem retomadas até o fim do mês. Continuar no caminho do conflito poderia sair muito caro tanto para os interesses regionais dos EUA quanto, e acima de tudo, para a integridade territorial do Irã. Ahmadinejad está certamente motivado pela ideologia e o desejo de solidificar a posição da facção de segurança dentro da elite governante do Irã. Mas ele também parece estar agindo com a percepção de que os EUA estejam em uma considerável e, na verdade, sem precedentes, posição de fraqueza. O Exército americano está sobrecarregado no Iraque e Afeganistão, e Washington se concentrou em monitorar o programa nuclear da Coréia do Norte em vez daquele do Irã. Se ameaçado, o Irã poderia atacar no Afeganistão, Iraque, Líbano e Israel. Essas observações podem levar Ahmadinejad a uma avaliação incorreta da força do Irã relativa a qualquer ameaça americana.

Na verdade, o Irã tem fragilidades internas graves, incluindo uma economia instável, desemprego permanente e o ressentimento popular, sem falar no aumento do uso drogas e pressão psicológica. Mas Ahmadinejad sem dúvida se conforta não só com a crença na proteção divina, mas também por saber que os partidos religiosos xiitas alinhados ao Irã são hoje as forças políticas dominantes no Iraque, enquanto o público americano dificilmente parece disposto à declaração de outra guerra na região. Além disso, Ahmadinejad muito provavelmente acredita que a melhor maneira de se proteger contra mudanças vindas de fora é imitar a Coréia do Norte ao avançar para dar ao Irã capacidade nuclear.

O novo presidente também certamente sabe que se o dossiê nuclear do Irã for mandado para o Conselho de Segurança da ONU, sanções multilaterais significativas contra a República Islâmica muito provavelmente serão vetadas pela China e Rússia. Cheio de petrodólares, o Irã se tornou um grande comprador de tecnologia russa, incluindo US$ 1 bilhão em armas que Moscou concordou recentemente em vender para Teerã. Enquanto isso, a China, aproveitando-se do Irã como principal produtor de petróleo e gás não ligado aos EUA, rapidamente emergiu como um dos maiores parceiros comerciais do Irã.

Em vista desse retrato estratégico favorável, Ahmadinejad pode até receber bem um ataque americano ou israelense contra instalações nucleares iranianas. Teerã poderia, então, retaliar contra os interesses americanos e israelenses ao mobilizar seus aliados xiitas no Iraque, nos países do Golfo Pérsico e no Líbano - ou até ao criar causas comuns com alguns rivais sunitas. Enquanto isso, a facção de Ahmadinejad no governo faria total uso das imagens da guerra para marginalizar seus rivais internamente e acabar com os resquícios de sociedade civil do Irã.

Mas o regime do Irã não é invulnerável e Washington sabe disso. Assim como o Irã pode usar a carta xiita para criar confusão na região, os EUA podem manipular tensões étnicas e sectárias no Irã, que tem minorias significativas, principalmente sunitas, ao longo de suas fronteiras. Muitas das minorias étnicas e religiosas do Irã se vêem como vítimas de discriminação e não foram efetivamente integradas na vida econômica, política e cultural iraniana. Cerca de 2 milhões de árabes desgarrados habitam principalmente a Província do Khuzestão, rica em petróleo e gás. Os EUA poderiam criar graves problemas para Teerã ao dar apoio financeiro, logístico e moral aos separatistas árabes nessa província. Outras minorias iranianas prejudicadas seriam incentivadas pelo exemplo árabe - os curdos, os baluchis ou até os azeris. Uma simples centelha seria suficiente para causar explosões.

Além disso, a decrescente economia iraniana só vai piorar se os EUA conseguirem enviar o caso nuclear do país ao CS, não importando se e quais sanções significativas sejam adotadas. Isso aceleraria a saída de capital, prejudicaria o já crítico mercado de ações, devastaria o mercado imobiliário e acabaria com as economias de uma grande parte da classe média. Também muito provavelmente resultaria em inflação galopante e afetaria a população carente do Irã, a quem o governo de Ahmadinejad diz representar.

À luz dessas possibilidades, tanto Ahmadinejad quanto Bush fariam bem em evitar exageros. Eles deveriam seguir a cartilha não do aiatolá Ruhollah Khomeini, o ideólogo, mas do político pragmático Khomeini. Como Ahmadinejad, Khomeini argumentava que a entidade sionista deveria ser varrida do mapa. mas escolheu a preservação do regime à ideologia quando acabou com a guerra entre Irã e Iraque e até comprou armas de Israel.

O Irã deveria tentar reconquistar a confiança da comunidade internacional ao se engajar em um compromisso e os EUA deveriam permitir que esse compromisso fosse suficientemente isento para a elite iraniana. Para reconquistar a confiança da comunidade internacional, o Irã deveria aceitar a oferta russa para processar gás de urânio iraniano em combustível e parar voluntariamente, durante um prazo especificado, de insistir no direito de fazer o mesmo internamente.

Em compensação, os EUA deveriam levantar as sanções unilaterais contra o Irã. Essas sanções, que incluem a proibição da venda de aviões e peças para o Irã, não têm nanhum efeito sobre a capacidade nuclear do regime, mas atingem os civis iranianos. Hoje, o incentivo para ambos os lados se afastarem do conflito iminente é ainda maior no fim da guerra entre Irã e Iraque. Se os EUA responderem a uma ameaça iraniana explorando as diferenças étnicas, sectárias e econômicas do Irã, não é só a República Islâmica será ameaçada - o próprio Irã pode ser desmembrado.