Título: Países doadores temem pelo Haiti
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Internacional, p. A16

Para funcionário da ONU, eleição de fevereiro não deverá ser suficiente para estabilizar a economia e a política

PORTO PRÍNCIPE - Três semanas antes das eleições, se elas forem finalmente realizadas em 7 de fevereiro, os países doadores do Haiti estão preocupados com o futuro do país. Independentemente de quem for o presidente eleito entre os 35 candidatos ao cargo, representantes dos EUA, França, Canadá e União Européia se perguntam se o novo governo terá condições de estabilizar a política e a economia do país, após a saída das tropas das Nações Unidas. "A conclusão está muito confusa e deverá continuar assim por um bom tempo", disse o brasileiro Alberto Paranhos, funcionário (oficial principal) de um organismo da ONU para assentamentos urbanos, depois de participar de uma reunião, semana passada, em Porto Príncipe, com técnicos dos países doadores. O Haiti recebeu cerca de US$ 600 milhões (do total prometido de US$ 2 bilhões) da comunidade internacional desde fevereiro de 2004, quando o presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto e levado para a África do Sul.

Apesar do volume de recursos, poucos resultados apareceram até agora para melhorar a vida dos haitianos. Como o Estado não funciona, pois não presta serviços nem cobra impostos, o socorro que vem de fora tem de se voltar para itens básicos, como a limpeza urbana, a recuperação de estradas e proteção ambiental. O combate à violência, outro desafio, está nas mãos da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que tem 7.300 soldados e cerca de 1.900 policiais civis no país.

"Aqui a gente sobrevive", disse o alfaiate Stage Vertus, 40 anos, mulher e quatro filhas, em sua pequena oficina. Com quatro máquinas de costura e seis ajudantes, ele diz ser capaz de fazer o que for preciso - calças, camisas, paletós e até roupa feminina - mas falta encomenda. Apesar de trabalhar em Petion Ville, município da área metropolitana de Porto Príncipe onde moram os ricos e os milionários.

"É verdade que as tropas da ONU vão continuar aqui por mais dez anos?", pergunta a recepcionista Rachelle Duversaint, funcionária interina do Conselho Eleitoral Provisório num posto do Forte Nacional, onde distribui cartões de identidade aos eleitores. De quase 3,5 milhões inscritos, pouco mais de 2 milhões se apresentaram até agora para buscar o documento. A presença dos militares estrangeiros incomoda os haitianos. "As tropas da ONU não fazem nada pelo Haiti", queixa-se o pequeno empresário de informática Paul Jean Josué.

Porto Príncipe está um pouco melhor do que 18 meses atrás, quando chegou o primeiro contingente brasileiro, mas a situação ainda é precária. A sujeira se acumula por toda parte, só há energia elétrica de quatro a cinco horas por dia e não existe água encanada. Quem tem dinheiro, como os estrangeiros que moram nas colinas de Petion Ville, compra caminhões-pipa, pagando US$ 50 pelo abastecimento de 10 mil litros. Não se sabe de onde vem a água, mas com certeza não é tratada. O lixo vai para terrenos baldios ou é lançado no mar. Com a falta de segurança e tanta escuridão, é desaconselhável sair de casa à noite. Quem não tem gerador ou bateria para iluminação doméstica nas horas de apagão costuma ficar conversando na rua à luz das lâmpadas dos postes. Os estrangeiros tomam cuidados especiais, por causa da onda de seqüestros.