Título: Bachelet é favorita na eleição de hoje
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Internacional, p. A13

Com 5 pontos de vantagem sobre Piñera nas pesquisas, a socialista pode ser a primeira mulher presidente do país

SANTIAGO - A ex-ministra socialista Michelle Bachelet e o empresário Sebastián Piñera voltam a se enfrentar hoje nas urnas, no segundo turno da eleição presidencial chilena. Bachelet superou Piñera por larga margem na primeira votação, em 11 de dezembro: venceu por 45,95% a 25,41%. Mas a adesão do candidato da União Democrata Independente (UDI), o ex-prefeito de Santiago Joaquín Lavín - terceiro colocado no primeiro turno - deu novo ânimo à campanha de Piñera. Segundo a última pesquisa, do Instituto Mori, Bachelet mantém seu favoritismo, com 45% das intenções de voto, enquanto Piñera tem 40%. Entre os 15% restantes, estão os indecisos e os que declararam que votarão nulo ou em branco.

Caso confirme seu favoritismo na eleição de hoje, Bachelet liderará o quarto governo consecutivo da Concertação, a coalizão de partidos de centro, centro-esquerda e esquerda que chegou ao Palácio de La Moneda pela primeira vez em 1990, após o fim da ditadura militar iniciada em 1973 (ler mais na pág. 14). Também será a primeira mulher a chegar à presidência do Chile, país marcadamente patriarcal.

A campanha para a atual disputa eleitoral também foi a primeira a se realizar sem a influência do ex-ditador Augusto Pinochet, hoje com 90 anos e com a imagem abalada por uma série de processos na Justiça por fraude fiscal, corrupção e violação de direitos humanos.

O país, de 16,2 milhões de habitantes - segundo estimativa de 2005 -, vive hoje um período de crescimento econômico sem precedentes em sua história recente. O PIB per capita dobrou entre 1998 e 2005, passando de US$ 6 mil para US$ 12 mil anuais. Nos últimos dois anos, o país cresceu cerca de 6% ao ano e a qualidade de vida de sua população é atualmente uma das melhores da América Latina.

Mesmo assim, questões como a desigualdade entre ricos e pobres, o aumento da criminalidade e o desemprego dominaram a campanha. Assim como o sistema previdenciário privado, estabelecido durante a ditadura de Pinochet e copiado por dezenas de países em todo o mundo - cuja cobertura não alcança a totalidade dos trabalhadores chilenos.

Bachelet apresentou propostas de ampliar os programas sociais e fazer mudanças no sistema de previdência, aportando subsídios do Estado, para que ele ganhe maior abrangência e segurança. Piñera prometeu a criação de um milhão de empregos no país - um desafio proporcionalmente parecido com o do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que se comprometeu com a criação de 10 milhões de empregos no Brasil.

Quase todos os analistas ouvidos pelo Estado em Santiago, porém, apostam que, seja quem for o vencedor nas urnas hoje, poucas mudanças serão feitas no atual modelo econômico.

A campanha foi recheada de denúncias dos dois lados. Bachelet acusou Piñera - dono de uma fortuna pessoal estimada em US$ 1,2 bilhão - de ter comprado o apoio de partidos de centro-direita. Piñera, por seu lado, acusou Bachelet de se beneficiar da máquina do governo liderado pelo presidente Ricardo Lagos.

Pela primeira vez desde que chegou ao poder, a Concertação obteve na votação de dezembro, na esteira do bom resultado de Bachelet, a maioria simples no Congresso.

Segundo o professor de Ciências Políticas da Universidade Andrés Bello de Santiago, Julio Guzmán, no entanto, isso não significaria um grande obstáculo no caso de uma vitória de Piñera nem uma grande vantagem para uma eventual administração de Bachelet. "A política chilena é marcada por um presidencialismo muito forte", disse. "Claro que, neste caso, Bachelet teria menos dificuldades para aprovar sua agenda legislativa, mas o Executivo tem prerrogativas como o do decreto, um instrumento que atropela o Congresso. A Concertação nunca teve maioria no Congresso até hoje e não deixou de governar por causa disso."