Título: Visita de Kirchner a Lula tenta resgatar papel do Mercosul
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2006, Economia & Negócios, p. B1

BRASÍLIA - Argentina e Brasil tentarão hoje correr atrás dos prejuízos causados por três anos de omissão no Mercosul. O desafio traz a Brasília o presidente Néstor Kirchner, que pela primeira vez faz uma visita de Estado ao País. Em seu encontro, às 11 horas, no Palácio do Planalto, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Kirchner pretende remexer em feridas antigas ¿ como a integração produtiva precária e o descompasso nas economias dos dois países ¿ e tocar no recente susto com a decisão do Uruguai de negociar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. O embaixador e subsecretário de Assuntos de América do Sul do Itamaraty, José Eduardo Felício, avisou que não se pode esperar decisões extraordinárias nesse evento. Nenhum acordo ou protocolo bilateral será assinado, além da declaração oficial do encontro.

Kirchner falará inflado pela presidência temporária do Mercosul neste semestre e como o líder que terá de ¿tourear¿ o Uruguai e fazer, ao lado do Brasil, o mea-culpa por não ter se preocupado em beneficiar os sócios menores do bloco.

¿O Mercosul precisa hoje de mais relacionamento Brasil-Argentina. Os dois sócios maiores têm de dar uma virada no bloco, têm de pensar numa estratégia de integração¿, afirmou ontem o embaixador da Argentina no Brasil, Juan Pablo Lohlé. ¿A relação Brasil-Argentina virou a política da geladeira, das autopeças, virou política arroz-e-feijão de setores comerciais.¿

Os temas mais bicudos da relação bilateral estão encaminhados e não devem pesar nas conversas dos presidentes. Entre amanhã e 31 de janeiro, negociadores dos dois países vão fazer cinco reuniões e arrematar a Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC), mecanismo de salvaguardas que deverá virar regra no Mercosul. Também está em andamento a discussão das novas regras do comércio para o setor automotivo.

Mas, certamente, esses assuntos serão motivo para que os dois presidentes anunciem a formulação de uma política industrial comum para o Mercosul. Para virar realidade, porém, dependeria de volumosas concessões dos sócios, especialmente do Brasil e da Argentina.Segundo Lohlé, não há como dar um rumo ao Mercosul sem criar instituições fortes e supranacionais ¿ o que dependeria de concessões de fatias da soberania de todos os parceiros.

Kirchner subirá a rampa do Palácio do Planalto acompanhado por pelo menos cinco ministros ¿ Jorge Taiana, de Relações Exteriores, Felisa Miceli, da Economia, Julio De Vido, do Planejamento, e Ginés González García, da Saúde ¿ e pelo secretário de Indústria, Miguel Peirano. A senadora Cristina de Kirchner, primeira-dama do país, desta vez não virá.

CHÁVEZ

Depois ter se encontrado cerca de 30 vezes com Lula desde o início de 2003, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, vem novamente ao Brasil. Amanhã, ao lado de Lula e de Kirchner, Chávez participará de uma oportuna reunião da aliança trilateral Brasil-Argentina-Venezuela, agrupamento focado na questão energética, criado em fevereiro do ano passado.

Com pauta aberta a qualquer tema, o encontro deverá centrar-se no rumo que a América do Sul tomará ao final dos processos eleitorais de quase todos os seus países até o início de 2007.