Título: Diploma ou educação?
Autor: Rui Otávio B. de Andrade
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

No Brasil, nunca houve tantas pessoas estudando como hoje. Dados do Ministério da Educação mostram que o nível de analfabetismo caiu de 17,2% para 11,6% em dez anos; 97% das crianças entre 7 e 14 anos estão na escola. Cerca de 81% dos jovens de 15 a 17 anos de idade freqüentam o ensino médio, enquanto no ensino superior as matrículas saltaram de 1,76 milhão, em 1995, para 4,1 milhões, em 2004, o que corresponde a 17,3% da população brasileira na faixa etária entre 18 e 24 anos.

Excelente, se não fosse um pequeno detalhe: a qualidade do ensino. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2003, revelou que 55% dos alunos da quarta série estão em um estágio "crítico" ou "muito crítico" de leitura e interpretação de textos. Dos estudantes matriculados na oitava série, 51% não aprenderam as operações básicas da matemática. No ensino médio, 38% dos formandos têm dificuldade para compreender textos e 69% saem da escola sem as habilidades matemáticas esperadas. Uma avaliação internacional realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta o Brasil em último lugar, apresentando o maior índice de repetência.

Atualmente, o ensino de Administração lidera a quantidade de alunos matriculados - cerca de 600 mil, ou seja, quase 15% do universo dos alunos matriculados no ensino superior. Lamentavelmente, o boom desses cursos vem acarretando perda de qualidade e, conseqüentemente, formando pessoas despreparadas que, mais cedo ou mais tarde, poderão causar um grave prejuízo para si mesmas e para a sociedade.

Para agravar ainda mais a situação, em face da saturação do mercado da educação superior, concentrado em algumas regiões do País, algumas faculdades, preocupadas apenas em atrair alunos, estão pensando em oferecer cursos de bacharelado em Administração de apenas três anos, o que muito nos preocupa.

Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) foi sancionada, em 1996, e instituiu grandes inovações para a educação brasileira, destacaram-se a liberdade e a flexibilidade das faculdades para elaborarem o currículo do curso de acordo com suas peculiaridades e necessidades baseadas em diretrizes curriculares. Para o curso de bacharelado em Administração, elas foram aprovadas pela Resolução nº 04/2005 do Conselho Nacional de Educação. Essa resolução, dentre outros aspectos, permite que as faculdades elaborem seus projetos pedagógicos à luz de conteúdos curriculares, e não mais por disciplinas específicas, possibilitando assim uma maior flexibilidade na construção da matriz curricular que atenda às necessidades e especificidades do perfil profissional do formando.

Tais inovações, porém, estão submetidas à obrigatoriedade do cumprimento de uma carga horária de conhecimentos que, se deficiente, acarretará prejuízos na seqüência da educação continuada, a pós-graduação.

Ressalta-se que a nova LDB prevê a oferta de outras modalidades de cursos superiores, como os tecnólogos e seqüenciais, normalmente com duração entre dois e três anos, voltados para a educação profissional, diferentemente dos cursos tradicionais, que conferem o grau acadêmico de bacharelado.

Pode-se até argumentar que essa é uma tendência mundial, que na Europa e nos Estados Unidos isso já acontece. A Declaração de Bolonha, assinada por 28 países em 1999, tem como objetivo a formulação de um sistema europeu de ensino superior, visando a facilitar a mobilidade e empregabilidade de cidadãos europeus. No entanto, os cursos de três anos recomendados pela União Européia, segundo o seu sistema de créditos, correspondem a 4.680 horas de estudos acadêmicos, uma situação bem diferente da brasileira.

Os estudantes não têm consciência de que, ao escolherem um curso que visa a formar bacharéis por meio de uma reduzida carga horária de estudos, estão incorrendo em um grave erro na sua perspectiva profissional. Que ótimo seria se, no Brasil, todos concluíssem o ensino superior com razoável capacidade crítica, raciocínio lógico, habilidades verbais bem desenvolvidas e com um mínimo de conhecimentos específicos na área de atuação.