Título: 'Álcool não caiu porque há estoque'
Autor: Gerusa Marques e Mariana Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2006, Economia & Negócios, p. B7

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, disse ontem que a queda no preço do álcool, já verificada nas usinas, ainda não chegou ao consumidor porque provavelmente as distribuidoras do combustível ainda dispõem de estoques adquiridos a preços praticados antes do acordo entre governo e usineiros. ¿É preciso consumir esse estoque para que o reflexo do preço na usina surja na bomba¿, disse Rodrigues, para quem isso deve acontecer ainda esta semana. ¿As informações que temos são de que, nas usinas de açúcar e de álcool, o acordo já foi implementado. Os preços já caíram abaixo do nível que havíamos combinado na semana passada¿, disse o ministro, referindo-se à fixação do preço do litro do álcool anidro (adicionado à gasolina) em R$ 1,05 na usina, por acordo entre governo e usineiros.

De acordo com analistas que acompanham o setor, o repasse da redução (ou aumento) de preços nas usinas costuma demorar de duas a três semanas para chegar aos postos. ¿A alta nos postos na semana passada reflete os preços praticados nas usinas duas ou três semanas antes, quando a tendência ainda era de alta¿, diz Júlio Maria Borges, da consultoria Job Economia.

Para ele, o acordo não terá maiores impactos no mercado, pois os dois tipos de álcool ¿ anidro e hidratado (usado nos modelos flex) ¿ já estavam sendo vendidos a um preço muito perto do teto de R$ 1,05. ¿O acordo apenas antecipou o fim do viés de alta dos preços nas usinas¿, diz Borges. ¿O preço do álcool já havia chegado próximo do pico e ia se ajustar naturalmente.¿

O limite do mercado, explica Borges, é dado pela competição criada pelos carros bicombustíveis. A alta excessiva do álcool provocaria uma queda de demanda ¿ já que o consumidor tem a opção de usar a gasolina ¿, o que, por sua vez, levaria a uma queda de preços. ¿Com a confusão provocada pelo acordo perdemos a chance de testar a eficácia da nova tecnologia para a auto-regulamentação do mercado.¿

Crítica da intervenção do governo no mercado, a professora Heloisa Lee Burnquist, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura (Esalq) da USP, afirma que a queda de preços nas usinas ocorrida na semana passada reflete menos o acordo e mais uma acomodação do mercado às medidas contra sonegação introduzidas no início do ano. São elas: a adição de um corante ao álcool anidro e, no caso de São Paulo, a isenção do ICMS para o anidro apenas mediante comprovação da compra de um volume três vezes maior de gasolina.

As medidas coibiram a prática de ¿batizar¿ o anidro com água comum para vendê-lo como hidratado. Como essas medidas entraram em vigor em janeiro, acredita-se que muitos distribuidores compraram um volume de anidro acima do normal em dezembro, contribuindo para uma alta artificial de preços.