Título: Para embalar o Fórum Social Mundial, um anfitrião sob medida
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Nacional, p. A11

Chávez foi a figura mais festejada em 2005, em Porto Alegre; este ano, em casa, vai falar da luta antiimperialista

A edição continental do Fórum Social Mundial, que começará no dia 24 em Caracas, na Venezuela, com uma estimativa de 80 mil participantes, deve ser uma das mais politizadas da história do evento, iniciado em 2001 e considerado o maior encontro mundial de movimentos e organizações que se opõem ao modelo neoliberal. Na lista de fatores apontados como combustível da politização, destaca-se o fato de ser realizado no país do presidente Hugo Chávez, que tem se apresentado como paladino da luta antineoliberal. Ele foi a figura mais festejada em 2005, em Porto Alegre, e neste ano pisará o polêmico território do fórum para tratar de um dos temas mais caros aos seus participantes: a luta antiimperialista. Como a organização do evento não aceita a interferência direta de governantes nem de partidos, o presidente venezuelano irá até lá a convite da Via Campesina, organização internacional cujo braço brasileiro é o Movimento dos Sem-Terra (MST). Como ocorreu na capital gaúcha, ele deve falar num ginásio de esportes, no segundo dia do evento.

Além de Chávez, há a questão continental. Este será o primeiro fórum dedicado exclusivamente às Américas, o que permitirá aprofundar os debates sobre temas políticos comuns. Há visível excitação - expressa no número de mesas-redondas, debates e conferências - em torno do aumento do número de governantes latino-americanos com ares antineoliberais.

A lista vai do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, a Evo Morales, recém-eleito na Bolívia, passando por Tabaré Vasquez, no Uruguai, e Néstor Kirchner, na Argentina. Também há grande expectativa em relação às eleições, em março, no Peru, onde o candidato mais forte possui um perfil próximo ao de Chávez; e, num grau menor, em relação ao Chile, que vai hoje às urnas.

INTEGRAÇÃO

Em encontros preparatórios para Caracas, a direção nacional do PT tem insistido em que um dos grandes eixos dos debates do fórum será a integração de governos na busca de alternativas ao neoliberalismo. No dia 26, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e o Instituto Maurício Grabois, do PC do B, promoverão em Caracas um seminário com a presença de representantes de governos, partidos e movimentos sociais, para discutir essa possibilidade de integração antineoliberal.

Ao falar do seminário, o vice-presidente da fundação petista, Ricardo Azevedo, chegou a dizer que considerava muito significativo o fato de esta edição do fórum reunir o maior número de chefes de Estado de sua história - lá estarão os presidentes de Brasil, Venezuela, Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia. Pode ter sido excesso de entusiasmo, pois até o fim da semana passada só estavam confirmadas as presenças de Chávez e Lula e este nem sabia ainda sobre o que falaria. Segundo a Secretaria-Geral da Presidência, ele recebeu convites de diferentes organizações, mas ainda não havia decidido qual aceitar.

A união contra o modelo neoliberal não é, no entanto, a única preocupação do PT e do governo em Caracas. Há o temor de que, na esteira do que já se esboçou em Porto Alegre no ano passado, aumentem as críticas às políticas econômica e social do governo brasileiro.

Até a sexta-feira já estava certo que seriam despachados para o fórum pelo menos quatro ministros para defender o governo nos debates: Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência, Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e Marina Silva, do Meio Ambiente.

O PT também afia seu argumentos. O próprio presidente do partido, Ricardo Berzoini, foi escalado para uma mesa-redonda sobre o governo Lula. É sintomático que, enquanto cresce o número de presidentes eleitos com um discurso considerado progressista, também cresça a preocupação dos movimentos sociais com a seguinte questão: porque estas vitórias eleitorais não levam a mudanças significativas nos países?