Título: Lula planta bondades para tentar neutralizar crise e colher votos
Autor: Vera Rosa, Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Nacional, p. A10

Planalto prepara MP do Bem 2, reduzindo imposto do material de construção, e campanhas para divulgar ações

BRASÍLIA - Em mais uma tentativa de neutralizar a crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já começou a lançar um kit de bondades em doses homeopáticas, para colher dividendos na eleição de outubro, quando pretende disputar segundo mandato. Muito além da operação tapa-buraco nas rodovias, tão bombardeada pela oposição, há campanhas publicitárias que sairão do forno para divulgar "obras" da gestão Lula. De olho nos votos das classes D e E, o presidente também cozinha em banho-maria uma nova medida provisória, que vai reduzir impostos sobre material de construção, como tijolos e cimento. Batizada de MP do Bem 2, ela está em preparação desde o ano passado e deve ser enviada ao Congresso até junho. O governo, porém, avalia o melhor momento para encaminhar o texto porque ficou calejado com as dificuldades para aprovar a primeira edição da MP do Bem, que desonerava investimentos produtivos e enfrentou resistências no Congresso.

"O estoque de bondades do governo é infinito", diz o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. "Neste momento, temos excesso de arrecadação que poderia ser usado, por exemplo, na construção civil, um segmento que tem grande número de desempregados. Além disso, temos demanda de 5 milhões de famílias querendo habitação popular. Só precisamos ver as chances de aprovação neste clima pré-eleitoral."

Para a oposição, Lula corre contra o tempo na tentativa de fazer em menos de um ano o que não fez em três e pavimentar sua candidatura à reeleição. "O problema é que o presidente é vítima do sectarismo do próprio PT", critica o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). "É por isso que esse governo é assim, meia boca."

Com vários números de investimentos na ponta da língua, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirma que a oposição tem "verdadeira mania" de gritar. "No interior do Paraná, dizem que isso é olho gordo", provoca. "Nós encerramos o ciclo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), reduzimos o número de pessoas pobres e não se vê nada. Falam que tudo é eleitoreiro. É por isso que nós precisamos divulgar as coisas boas."

Lula continua reclamando da comunicação palaciana e das estocadas que recebe do próprio PT. Não se cansa de insistir que o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, sabe divulgar suas obras na televisão. "É uma coisa fantástica o que acontece aqui", queixa-se o presidente, em conversas reservadas. "Podem pegar qualquer área para ver como nós fizemos mais do que meu antecessor. O problema é que nós não sabemos nos comunicar. E, como dizia o Chacrinha, quem não se comunica se trumbica."

Neste ano eleitoral, porém, o volume de propaganda vai aumentar. A Petrobrás, por exemplo, prepara para março uma grande campanha publicitária para anunciar que o Brasil alcançou a auto-suficiência na produção de petróleo. Duas agências já foram contratadas para a campanha, que será lançada quando entrar em operação a plataforma P-50, no Rio. "A auto-suficiência em petróleo é um objetivo perseguido há cinco décadas", comemora o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli de Azevedo.

Na quinta-feira, um assunto mais polêmico tomará a atenção de Lula: o aumento do salário mínimo. Ele já avisou que quer aumentá-lo de R$ 300 para R$ 350 e embutir no anúncio a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, uma medida simpática à classe média. O nó é o valor da correção do IR. A reivindicação das centrais sindicais é de 10%, mas a equipe econômica considera o porcentual exagerado.

"Há um esforço para a negociação. Queremos terminar o mandato do presidente Lula sem nenhuma defasagem do IR", observa o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Marinho sempre defendeu um mínimo gordo. Agora na Esplanada, diz que "os patamares postos na mesa estão próximos das possibilidades". Questionado sobre como explicar na campanha a promessa não cumprida, de dobrar o valor do mínimo em um mandato, o ministro é taxativo: "Vamos comparar os nossos quatro anos com os oito do PSDB."

Na prática, o Planalto aposta que, apesar da crise, 2006 será melhor que o ano passado na seara econômica, mesmo com o mal-estar dos juros altos. É com esse cenário que o governo trabalha pela reeleição. "É a economia, estúpido!", brinca um interlocutor de Lula, numa referência à frase que marcou a eleição de Bill Clinton para a Presidência dos Estados Unidos, em 1992.