Título: Conselheiro de Alckmin anuncia etapa de prosperidade na economia
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2006, Nacional, p. A8,9

Para o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, Brasil hoje é um cidadão que fez transplante e ganhou coração novo após passar anos doente

Candidato a candidato a presidente da República pelo PSDB, onde enfrenta disputa duríssima nos bastidores com o prefeito José Serra, o governador Geraldo Alckmin é um verdadeiro picolé de chuchu numa área que o rival domina com experiência e conhecimento de causa - a economia brasileira. Em busca de inspiração e propostas, há 4 meses o governador mantém conversas freqüentes com o empresário e economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, em que se discutem perspectivas econômicas para o Brasil a partir de janeiro de 2007, quando se inicia o mandato do candidato que for vitorioso nas urnas deste ano. Pelo temperamento e espírito de luta, Mendonça de Barros é chamado de Mendonção. Foi diretor do Banco Central no governo José Sarney, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ministro das Comunicações no governo de Fernando Henrique Cardoso. Deixou o posto enrolado nos grampos da privatização das estatais de telefonia, naquele escândalo que ganhou o nome de privataria, mas jamais surgiu uma prova contra ele.

Interlocutor freqüente da oposição e de emissários autorizados do governo, Mendonção defende uma idéia clara e poderosa: após quase uma década de estagnação e mediocridade, estão criadas condições para o Brasil ingressar numa fase de prosperidade, que pode transformá-lo numa grande economia em 20 anos. "O País hoje pode ser comparado a um cidadão que fez um transplante e ganhou um coração novo depois de passar anos com um coração velho e doente", diz.

Convencido de que a prosperidade ainda não chegou à vida real porque nas últimas décadas a política econômica tem sido comandada por várias gerações de economistas saídos dos cursos ortodoxos da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, dispara: "Se essas pessoas não fossem inteligentes, eu diria que defendem os juros altos por burrice. Conhecendo seu preparo, não posso dizer que são ignorantes. Só posso concluir que têm um comportamento neurótico: agem dessa maneira por reflexo. Não conseguem perceber que a situação mudou e vivemos num mundo novo. É hora de trocar a equipe médica."

Em estágio mais avançado do que se poderia supor, as conversas já geraram rascunhos de medidas concretas, a serem anunciadas caso se confirmem as seguintes hipóteses: a) Geraldo Alckmin torna-se candidato a presidente; b) vence os adversários; c) assume a Presidência e segue gostando das idéias de Mendonção.

A mais importante envolve mudanças na legislação e até reformas constitucionais. Ele está convencido de que, com a queda dos juros, mesmo de forma gradual, haverá um estímulo vigoroso para o consumo, obrigando o governo a tomar medidas para impedir uma explosão descontrolada. "Não se pode repetir o erro de Sarney que, diante do crescimento da demanda no Plano Cruzado, preferiu tocar obras públicas em vez de conter os gastos."

Há idéias mais específicas. Entre elas, uma mudança legal para facilitar a retomada da casa própria de inadimplentes, novidade vista como grande estímulo à indústria da construção - que poderia contar com fartura de crédito semelhante à da indústria automobilística. Outra proposta envolve uma definição de concessões de empresas de água e saneamento das grandes cidades. Realista quanto à própria condição, Mendonção admite que o governador está em fase de estudos, consultando diversas correntes de pensamento. "Está ouvindo muita gente, inclusive aqueles que dizem que sou maluco. Não importa. Estou cumprido minha missão, que é colocar esse debate." Autorizado por Alckmin, na semana passada Mendonção recebeu o Estado para uma entrevista de três horas. Os principais trechos:

O senhor se definia como um pessimista histórico. Agora, se diz um otimista militante. O que mudou?

Assumo uma visão nova da economia brasileira, construída a partir de muita observação e conversa no mundo real do mercado. Há 2 anos, reencontrei um economista americano chamado Thomas Trebat. Temos contatos freqüentes desde a crise da dívida externa de 1982, no governo Figueiredo. Trebat me disse que tinha duas notícias sobre o Brasil. Uma boa, outra ruim. A boa era que o Brasil é visto, lá fora, de forma totalmente diferente daquela a que nossa geração está habituada. É encarado como um país viável, responsável, com uma gestão de política econômica correta.

E a má notícia?

A má notícia é que por causa disso a economia brasileira entrou no ciclo da global. Isso quer dizer que quando a economia global estiver bem a brasileira estará bem. Quando estiver mal, vamos sofrer. Mas hoje vivemos fase especialmente favorável. A última prova foi na visita do diretor-gerente do FMI, que disse que o País precisa crescer mais. É até um vexame para o governo do PT. Mostra como estamos longe de compreender a realidade. Há o relatório do Goldman Sachs que define os países do futuro, os Brics, onde o B é o Brasil, o R é a Rússia, o I é a Índia, o C é a China. No site do Conselho de Segurança Nacional do governo americano, acima da CIA e responsável por cenários de 20 anos, o Brasil é visto como grande economia. Os investidores estrangeiros apostam mais em nosso futuro - e ganham dinheiro com isso - do que muitos investidores nacionais. Estamos condicionados pelo passado e seus fantasmas. Sempre achamos que o risco Brasil voltará a subir. Falamos da inflação como se estivesse à nossa porta. Os analistas estrangeiros olham os números e fazem o diagnóstico. Têm mais frieza para fazer análises, até porque a rotatividade entre eles é muito maior.

O sr. também tem estudos sobre o impacto dessas mudanças..

Um auxiliar meu, Paulo Pereira Miguel, fez uma simulação. Mesmo se a economia seguir como está, crescendo a taxas medíocres, teremos uma situação de dívida externa zerada em 2010 e US$ 150 bilhões em caixa. É uma mudança histórica. O Brasil tem dívida externa desde 1822, quando pediu empréstimo para a Inglaterra para pagar a independência. Em 2010, último ano do próximo presidente, ela terá acabado.

O que aconteceu?

Se você comparar a economia de um país de Terceiro Mundo a um organismo, seu coração é a balança de pagamentos, as contas externas, que trazem as grandes crises e podem trazer os grandes benefícios. Mas agora vivemos situação muito diferente, após uma mudança brutal. É como se o paciente tivesse sofrido um transplante, recebido um coração novo.

Quais mudanças foram essas?

Nos anos 80 e 90, quando eu estava no governo, o País tinha déficit em conta corrente de US$ 30 bilhões a US$ 35 bilhões por ano. Hoje temos superávit de US$ 15 bilhões. Mudamos da água para o vinho.

Isso não é conjuntural ?

É estrutural. Nosso ajuste é duradouro porque veio pelo lado real da economia. Ele está ligado a uma capacidade extraordinária do setor privado brasileiro - e também de algumas estatais, como a Petrobrás. E é alimentado pelo mundo novo que existe lá fora, produzido pelo advento da China, num crescimento que já arrasta o Japão e mesmo a Europa. Tivemos uma revolução tecnológica extraordinária, que permitiu a reorganização da produção mundial. O engraçado é que nós brasileiros não vimos isso, e seguimos aplicando receitas do mundo antigo, a começar pelas altas taxas de juros. Grande parte do setor privado não viu, os políticos não viram, o governo não viu...

A oposição também não viu, já que apoiou a política econômica e sempre disse que tudo ia mal no governo Lula menos a economia.

É verdade. E isso talvez seja o inusitado de minhas opiniões. Quando o governador Alckmin veio falar comigo, disse a ele que poderia se tornar presidente da República num momento de mudanças extraordinárias.

Suas críticas à política econômica se assemelham ao que diz Serra, que também quer disputar a Presidência pelo PSDB. Como é isso?

Tenho motivação de cidadão. Como tenho uma militância no PSDB, minha responsabilidade é levar essa análise para dentro do partido, no momento em que se discute a campanha presidencial.

O sr. aceitaria convite de Serra para integrar um grupo de trabalho?

Sem dúvida. Nas conversas com o governador jamais se falou de relações entre ele candidato e eu analista, economista, ou coisa assim. Nesta fase Alckmin identifica problemas, tendências e opções. Ele abriu um leque grande, para ouvir várias pessoas. Ainda não definiu sua visão de economia e tenho certeza de que está ouvindo gente que diz que sou maluco. Não importa. O Fernando Henrique teve a sabedoria de compreender que o povo estava cansado de inflação e fez o Real. O momento agora é de dizer à população que o sacrifício dos últimos 7, 8 anos não foi em vão e é hora de crescer. Fui claro num ponto. Tive uma certa audácia de dizer ao governador que meu peixe não pode ter o rabo de outro peixe.

O Alckmin entende de economia?

Ele não é economista. É um político. Um político faz a intermediação entre as aspirações da sociedade e aquelas pessoas que têm a possibilidade de realizá-las, que estão no governo. É evidente que Alckmin conhece questões importantes do Estado. Mas a questão econômica que um presidente da República enfrenta é completamente diferente da questão que um governador enfrenta. Ele precisa desse período de conhecimento dos problemas.

Como o sr. enxerga sua participação neste processo?

Nas minhas passagens pelo governo tive funções executivas. Participava das discussões como figura subsidiária. Agora me sinto estimulado como propositor de um caminho novo.

O sr. quer chegar lá para mandar?

Quem manda é o presidente. A minha aspiração é que o governador compre este diagnóstico e esta saída. Se ele for candidato a presidente e ganhar a eleição será o melhor dos mundos. Não pretendo cruzar a fronteira do governo. Sou um mutilado de guerra, tenho cicatrizes. Estou numa etapa da vida em que participar do desenho de uma nova política econômica é muito mais interessante do que gerir o dia-a-dia.