Título: A força da opinião pública
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Seria repetir o óbvio dizer quão fundamental é, para o regime democrático, a pressão da sociedade sobre seus representantes nas Casas Legislativas. Trata-se de pressão salutar sob qualquer ponto de vista que se a considere: quanto à cobrança de operosidade, à correção de rumos no trabalho legiferante, à moralização de comportamentos e coisas semelhantes. Bem é de ver, no entanto, que a força dessa pressão está na proporção direta da proximidade do período eleitoral. Se estivessem no primeiro e não no último ano de seus mandatos - quando se torna necessário o maior empenho reeleitoral de suas excelências -, será que nossos ilustres parlamentares federais haveriam de, em plena terça-feira, com um quórum formidável de 470 deputados, diferença surpreendente de 459 votos favoráveis e apenas 9 contrários, acabar com um privilégio que existe desde 1902 - ou seja, o de receber remuneração extra por ocasião das convocações extraordinárias, em períodos de recesso parlamentar? E por sobre isso, imaginável seria uma alteração constitucional visando a reduzir (seja pela metade ou em um terço) o outro despudorado privilégio de férias de três meses, quando a totalidade dos "demais" trabalhadores do País desfruta (quando desfruta) de apenas um mês de descanso?

É verdade que não é de agora que nossos congressistas se vêem duramente criticados pela manutenção de velhos privilégios ou pela prática antiética de legislar em causa própria. Se já havia um crescente desgaste da instituição parlamentar, sob este aspecto, esse desgaste se agudizou quando há cerca de meio ano surgiu a crise do mensalão, a partir das denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson. Apesar de o megaescândalo atingir alguns partidos e alguns deputados, pela primeira vez o eleitorado assistiu, perplexo, a depoimentos e comprovações indesmentíveis de uma sistemática compra de votos (e de consciências) de ilustres representantes do povo. É claro que isso não pode ter deixado de significar um desprestígio generalizado para a instituição.

Por outro lado, apesar de o espaço limitado dos veículos de comunicação escrita (jornais e revistas), bem como a efemeridade dos de comunicação eletrônica de massa (rádio e TV), não permitirem a retenção e a repetição, para o grande público, de uma quantidade tão grande de nomes, da classe política, envolvidos em tenebrosas transações, hoje em dia essa retenção é facilitada pelos recursos da internet, onde vários sites consignam os parlamentares que tiveram em suas contas bancárias depósitos "não contabilizados", os que deixaram ou não de receber os ganhos extras sem trabalho, durante o recesso, e assim por diante - e a própria internet propicia a cobrança direta do eleitor, enviada ao endereço eletrônico de seu representante no Legislativo.

Na verdade, as mudanças moralizadoras realizadas pelos parlamentares são um puro e simples esforço de sobrevivência eleitoral. Mas é claro que isso não lhes tira a importância, da mesma forma que a insuficiência de conclusões e até de número de responsáveis, apontados nos relatórios das CPIs em andamento - assim como no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados -, não desqualifica o trabalho que têm tido seus integrantes, na investigação de uma enxurrada de irregularidades e falcatruas perpetradas na vida político-administrativa e partidária, em nosso país.

O fato de a primeira parte da convocação extraordinária - iniciada em 16 de dezembro - ter sido inteiramente inútil, em termos de produção legislativa, revelou-se útil por ter maximizado as pressões sobre os congressistas, apontando-lhes de maneira mais enérgica a vergonha que é ganhar o dobro sem trabalhar. E aí até valeu a pressão de uma decisão judicial, em conseqüência de uma ação popular, mandando cortar o salário dos gazeteiros. Espera-se, então, que neste início de último ano de legislatura o Congresso Nacional - por consenso das forças governistas e oposicionistas - demonstre uma disposição efetiva de mudança, em termos de produtividade, fiscalização e decoro. Mesmo que tudo isso tenha a motivação real da sobrevivência eleitoral.