Título: Petrobrás será sócia da estatal boliviana YPFB, afirma Morales
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Economia & Negócios, p. B4

Presidente eleito da Bolívia diz a Lula que empresa brasileira será parceira e investimentos serão respeitados

O presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, anunciou ontem que a Petrobrás será sócia da Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB), a antiga empresa estatal do setor que foi desmobilizada nos anos 80 e deverá recriada em seu governo. Claramente disposto a atrair capitais estrangeiros a seu país, Morales manteve o tom suavizado que empregou na última etapa de sua campanha eleitoral ao tratar do tema com a imprensa, no Itamaraty. Deixou especialmente claro que protegerá os investimentos privados em seu país e que seu governo não tomará a iniciativa de estatizar as companhias que exploram o petróleo e o gás.

Esse compromisso foi igualmente expresso por Morales no encontro de cerca de duas horas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, acompanhado pelo presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli. O próprio Gabrielli, também em entrevista no Itamaraty, confirmou a parceria Petrobrás-YPFB, mas insistiu que ainda não começaram a ser negociadas as condições dessa associação nem a futura composição societária.

"Somos responsáveis. Mas, como qualquer país, temos o direito de exercer nossa soberania sobre os recursos naturais. Isso não significa expulsar ou confiscar bens de companhias internacionais. Disse (ao presidente Lula) que necessitamos de parceiros e a Petrobrás será nossa sócia", afirmou o presidente eleito. "Evo Morales, como presidente da Bolívia, vai proteger o investimento privado e garantir às empresas instaladas no país o direito de recuperar seus investimentos e de obter lucro", completou.

Em atitude bem recebida pelo governo brasileiro, Morales repetiu que será "radical apenas com as empresas contrabandistas que não pagam impostos". Sob estreita fiscalização, as companhias estrangeiras do setor de gás e de petróleo não estariam enquadradas nesses casos. A ameaça paira sobre as empresas bolivianas do segmento de gás de cozinha, que se valem dos subsídios internos para a produção para vender ilegalmente, e a preços mais baixos, parte do produto para os países vizinhos.

A Petrobrás desembolsa cerca de US$ 400 milhões por ano em pagamentos de impostos e royalties às diferentes esferas de governo da Bolívia, o equivalente a 24% da arrecadação tributária do país. A companhia já injetou no país vizinho US$ 1,5 bilhão - 20% do investimento direto estrangeiro na Bolívia entre 1994 e 2000 - e responde por 18% do Produto Interno Bruto (PIB). Também é a maior exportadora da Bolívia, com embarques anuais de cerca de US$ 700 milhões para o Brasil, opera 46% das reservas de gás do país e detém 95% da capacidade de refino.

PATRÃO

Extremamente cuidadoso ao lidar com a situação da Petrobrás na Bolívia, Gabrielli acabou admitindo que a posição da empresa naquele país era de patroa, e não de parceira. Ele se referiu a um dos jargões disseminados pelo ex-líder cocaleiro nas eleições - "não queremos patrões, queremos parceiros".

Entre o mea-culpa e a promessa de agir com maior responsabilidade social na Bolívia, o presidente da Petrobrás deixou claro o temor da companhia de sofrer um processo de estatização - como a Bolívia fez com as multinacionais exploradoras de estanho nos anos 50. Ou de arriscar o Brasil, onde 50% da demanda por gás é suprida pela Bolívia, a enfrentar cortes de fornecimento.

"O presidente Morales não quer patrões, quer sócios. Concordamos e queremos ser parceiros no desenvolvimento econômico e social da Bolívia", afirmou Gabrielli. "Temos agora uma perspectiva tranqüila no país porque há estabilidade política, há definição para onde o governo vai seguir, há apoio do Congresso ao novo presidente, e temos o compromisso de que não haverá quebra de contratos e estatização."