Título: O custo da intervenção
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

Primeiro, exigiram que o Banco Central interviesse no câmbio e comprasse moeda estrangeira. Em pouco mais de um ano, o Banco Central comprou US$ 32,8 bilhões. Não foi o suficiente para recuperar o câmbio.

Depois, disseram que o Banco Central teria de intervir no mercado futuro (mercado de derivativos) para estancar a especulação a favor da valorização do real. O Banco Central pôs em marcha uma vasta operação de troca de dívidas em dólares por dívida em reais, leiloou nada menos que US$ 25,3 bilhões em contratos, zerou a dívida pública em dólares. O câmbio não sentiu nem cócegas.

Há quem exija ainda mais intervenção e mais compra de dólares, como já chegou a pregar o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, e o diretor do Departamento de Economia do Ciesp, Boris Tabacof. Mas a maioria das pessoas já entendeu que banco central não consegue inverter tendência firme do câmbio, especialmente quando escorada nos fundamentos da economia.

Agora, os críticos começam a tomar outra direção. Verificam que a intervenção no câmbio tem alto custo fiscal, não só porque compras de dólares exigem emissão de títulos públicos que financie essas compras, mas também porque a troca de títulos em dólares por títulos em reais obriga o Banco Central a assumir os juros bem mais altos em reais.

É nesse ponto que os pasmados se juntam aos perplexos e definem que o único jeito de recuperar o dólar é derrubar decisivamente os juros, sem olhar para firulas monetaristas.

Essa proposta pressupõe o diagnóstico de que os juros estão onde estão não porque o Banco Central procurou controlar a inflação, mas, principalmente, porque pretendeu atrair capitais e/ou evitar fuga de dólares. Não passa pela cabeça dessas pessoas que o principal responsável pela atual sobrevalorização do real, se é que se pode dizer assim, não são os juros altos, mas o choque positivo das exportações de commodities que ajudaram a produzir em 2005 um superávit comercial de US$ 45 bilhões e que tendem a um repeteco em 2006.

Mas deixemos de lado divergências de diagnóstico e examinemos as implicações disso. Se o Banco Central terá necessariamente de derrubar os juros para evitar a excessiva valorização do real, então que fique esclarecido que a meta de inflação seja mandada às favas. Ou seja, exija-se que o Banco Central esqueça que tem uma missão institucional a cumprir e que se ponha a alinhar o câmbio sabe-se lá com o quê.

Essa posição não é de todo indefensável. Uma decisão de política econômica pode perfeitamente definir que isso passe a ser assim. Nesse caso, é preciso assumir as conseqüências de que a economia deixará de ter uma âncora monetária e que a inflação será o que daí resultar. Ou então, será preciso encontrar outra âncora para colocar no lugar do regime de metas.

Isso não encerra o assunto porque, se o real voltar a se desvalorizar, as exportações ficarão ainda mais estimuladas do que já estão e, mais à frente, a situação atual acabará se impondo.

Essas propostas lembram os debates dos astrônomos nos séculos 15 e 16, que não conseguiam enfiar a trajetória dos planetas na teoria geocêntrica do cosmos e se puseram a construir estruturas complexas formadas por epiciclos e paralaxes, que não explicaram nada, até que veio Copérnico e disse que o centro das órbitas dos planetas não era a Terra, mas o Sol.

Que tal admitir que a valorização do real acontece principalmente porque a China e o resto da Ásia se puseram a importar commodities e que este não é um fenômeno esporádico, mas um choque que tende a perenizar-se?

Enfim, se é preciso dar um outro jeito no câmbio, que se comece por levar em consideração que há novidades e que estamos diante de novo ciclo da produção e da divisão internacional do trabalho.