Título: Governo incentivará doação de ossos
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Vida&, p. A21

Campanha será lançada hoje; fila tem 2,5 mil à espera

O País tem seis bancos autorizados a estocar e captar ossos, cartilagens e tendões - chamados tecidos músculo-esqueléticos. Conta com 38 unidades capacitadas a fazer transplantes desses tecidos e cerca de 200 profissionais preparados para isso. Mesmo assim, a fila de pacientes com perda óssea - provocada por tumor, acidentes ou desgaste no caso de esportistas - à espera por um transplante é enorme, 2,5 mil pessoas no total. O mesmo para o tempo na fila, dois anos em média. Na tentativa de mudar a situação, o Ministério da Saúde começa hoje a primeira Campanha Nacional de Doação de Ossos, com a distribuição de folhetos, cartilhas para crianças, depoimentos de artistas e peças teatrais, no Rio (0800-61-1997).

O problema está no número de doações. Não existe um banco de dados nacional para saber quantas doações são feitas - os números vão ser organizados pela primeira vez neste ano. Mas, tomando como referência o maior banco do País , o Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into), com sede no Rio, ligado ao Ministério da Saúde, já dá para saber que é baixíssimo: "Em 2004 recebemos apenas dez doações. Em 2005, só duas", conta Sergio Cortes, diretor do Into.

O instituto tem 700 pessoas na fila de espera. Até setembro, o taxista Leandro Barreto, de 27 anos, era uma delas. Depois de oito meses de espera, foi submetido finalmente a um transplante de fêmur por causa de um tumor. "Nunca imaginei que ia aguardar tanto tempo por um osso."

Não deveria mesmo haver tempo de espera para esse tipo de transplante, por questões práticas. Não existe incompatibilidade entre doador e receptor, por exemplo. "Podemos modelar esses tecidos como quisermos", explica Cortes. "Nada impede que um pedaço da tíbia (na perna) sirva para substituir um pedaço da bacia, por exemplo."

Outra facilidade é o tempo de conservação desses tecidos. "Os órgãos, em geral, podem se manter por horas fora do organismo. Os tecidos músculo-esqueléticos duram quatro anos." São poucos os impedimentos do doador. Ele não pode ter doenças transmitidas pelo sangue, como aids e malária, câncer e osteoporose.

O drama enfrentado pelos médicos é o preconceito em relação à retirada desses tecidos do cadáver. Para se ter idéia, de cada dez cadáveres cuja família autorizou a doação múltipla de órgãos, só duas aceitam doar os tecidos - a equipe médica tem de ter uma autorização para cada órgão.

PRECONCEITO

"A população tem mais preconceito com transplantes de ossos e cartilagens do quem em relação a qualquer outro órgão", afirma Alberto Croci, coordenador do banco de tecidos do Instituto de Ortopedia, do Hospital das Clínicas (HC). Com capacidade para fazer 40 transplantes por mês, o HC só consegue fazer 10 a cada 30 dias. São 305 pessoas na fila.

"O maior problema é o pavor que se tem de o médico deformar o corpo do doador na retirada", conta Cortes, do Into. "É por isso que não retiramos todos os ossos do cadáver. Só os extraímos das partes do corpo em que a cicatriz não fique exposta (ver quadro acima)."

Além disso, os tecidos - retirados com bisturi ou serra - são substituídos por moldes de plástico. "A retirada fica praticamente imperceptível e nem poderia ser diferente", diz Cortes. A legislação que regulamenta a atividade de transplantes no País determina que, feita a retirada, o cadáver deve ser recomposto e a aparência anterior recuperada, tanto quanto possível.